quinta-feira, janeiro 06, 2011

MERVAL PEREIRA

Politicagem
MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 06/01/11


Tanto o ministro da Fazenda, Guido Mantega, quanto o líder do PMDB, Henrique Alves, estão certos quando afirmam, de maneira direta ou indireta, que é irresponsável querer dar um aumento maior para o salário mínimo, ou então vincular a discussão do aumento à distribuição dos cargos no governo.

Mas tanto um quanto o outro esbarram em atitudes políticas de seus respectivos partidos, o petista de quando ainda era oposição, longo tempo atrás, e o peemedebista no presente, embora seu partido esteja no governo.

O salário mínimo foi fixado em R$540 de acordo com uma política acertada com os sindicatos em 2007, com validade até 2023, baseada em critério que combina a reposição da inflação com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nos dois anos anteriores.

Como o crescimento do PIB em 2009 foi negativo por causa da crise econômica mundial, o reajuste do mínimo será menor este ano. Mas com a economia tendo se recuperado em 2010, com crescimento próximo a 7%, em 2012 o mínimo terá um reajuste maior.

Não há, portanto, razão para mudanças de critérios, e o PMDB não deveria estar testando a capacidade do governo de aumentar sua proposta.

Esse papel deveria ser da oposição, que, aliás, tem uma bandeira para apresentar nesse sentido. Afinal, seu candidato à Presidência, José Serra, a certa altura da campanha, tentou sensibilizar o eleitorado lulista garantindo que levaria o salário mínimo para R$600 se fosse eleito.

Essa proposta, por sinal, fez com que Serra apresentasse um crescimento no Nordeste, por exemplo, onde o governo domina eleitoralmente.

Tanto o aumento do salário mínimo para R$600 quanto o 13º para a Bolsa Família foram promessas demagógicas buscando efeitos eleitorais nas camadas mais pobres da população.

Não foram suficientes, no entanto, para mudar a tendência do eleitorado, e nem mesmo para alterar o teor da oposição ao governo federal.

Uma famosa foto de maio de 2000 mostrando várias figuras importantes do PT rindo debochadamente, fazendo gestos com os dedos mostrando que o aumento do salário mínimo dado naquele ano pelo governo Fernando Henrique fora pequenino, é emblemática.

Estão nela três futuros ministros de Estado, então deputados federais: José Dirceu, Antonio Palocci, e Ricardo Berzoini.

Era o PT oposicionista, que não dava bola para o bom senso e pressionava o governo tucano para dar um aumento maior ao salário mínimo.

Já no governo Lula, os que queriam ampliar a generosidade do aumento do salário mínimo foram chamados por Lula de "irresponsáveis".

Da mesma maneira, hoje, o PMDB, que quer um salário mínimo maior que R$540 não por defesa do trabalhador, mas por interesses próprios, vai sendo apontado à execração pública quando ameaça misturar a distribuição de cargos com a votação no Congresso.

A ponto de ser obrigado a dar uma nota oficial dizendo que seria uma atitude irresponsável misturar os assuntos.

De certo é, mas o interessante dessa disputa é que o PT sempre fez isso enquanto era oposição, e agora o PSDB não consegue fazer o mesmo com o governo do PT, e o PMDB tentava pegar essa brecha para pressionar o governo.

Culpado, no entanto, com sua fama de fisiológico, o PMDB não consegue manter uma posição de consenso para pressionar o governo, ao mesmo tempo em que o PSDB não consegue se unir em torno de uma proposta mais ousada com relação ao mínimo, sabendo que um aumento maior seria realmente irresponsável.

O candidato tucano Serra, que tem fama de fiscalista e rigoroso nas contas públicas, tinha argumentos técnicos para justificar o aumento proposto, e acusava o governo de desperdiçar dinheiro público.

Mas essa não é uma bandeira que agrade ao PSDB de maneira geral, assim como foi difícil para os tucanos serem a favor do fim da CPMF, batalha ganha, sobretudo, pelo DEM no Congresso.

O novo governo petista, aliás, viu-se tentado a ir além logo depois da vitória, aceitando dar uma espécie de antecipação do aumento do mínimo de 2012, mas teve que recuar diante da precariedade das contas públicas.

Como alguns países, o Brasil repassa para os aposentados o chamado "ganho de produtividade" para o salário mínimo, mas antecipar esse ganho seria uma exceção que acabaria virando a regra, numa distorção do espírito da legislação em vigor.

Num sinal de que será mesmo preciso mexer na legislação previdenciária para conter o déficit crescente, o governo vem adotando a prática de aumentar a remuneração de dois de cada três aposentados (os que ganham o salário mínimo) em algo em torno de 5% ao ano todos os anos, o que aumenta o tamanho do débito.

Ao mesmo tempo, essa prática, iniciada no governo de Fernando Henrique, mas em ritmo menos intenso, é um dos pilares da melhoria do poder de compra da nova classe média brasileira, o que dificulta uma mudança de política isoladamente.

A desvinculação da Previdência do salário mínimo poderia permitir que a política de aumentos reais não colaborasse com o aumento do déficit, mas o governo petista nunca teve coragem de assumir essa tese, que é aceita internamente, mas não se transforma em proposta de governo por questões políticas.

Todas essas distorções e incongruências, fruto da baixa politicagem, têm que ser superadas se a presidente Dilma Rousseff quiser mesmo retomar a discussão das reformas estruturantes, entre as quais a da Previdência é das mais urgentes e precisa ser feita com objetivo de longo prazo.

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