As centrais ameaçam Dilma
EDITORIAL
O Estado de S.Paulo - 20/01/11
Acostumados aos favores do governo Lula, dirigentes de centrais sindicais cobram mais atenção da presidente Dilma Rousseff e já ameaçam criar problemas, se ela não governar de acordo com sua orientação. "Se Dilma ficar ouvindo seus burocratas, vai ter muito trabalho conosco", disse o presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP). A ameaça foi feita na Avenida Paulista, na terça-feira, durante manifestação por um salário mínimo superior aos R$ 545 fixados na semana passada pelo Executivo.
Houve reuniões de protesto em 20 Estados. Participaram do comício na capital paulista a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Força Sindical e quatro organizações de menor peso, mas igualmente beneficiadas pelas políticas dos últimos oito anos. Não há surpresa nessa manifestação concertada.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou uma borracha nas diferenças que havia entre as centrais, proporcionando a todas uma participação no Imposto Sindical, cooptando os dirigentes e conduzindo o peleguismo a níveis nunca antes conhecidos na história deste país.
A conversão dos sindicalistas em sócios do poder foi facilmente verificável, nos últimos anos, por sua presença na administração federal direta e indireta e também nos fundos de pensão de estatais.
Nada mais natural, portanto, que as manifestações de indignação dos dirigentes sindicais diante do tratamento a eles oferecido até agora pela presidente Dilma Rousseff. Pouco mais de duas semanas depois da posse ela ainda não os havia recebido em seu gabinete - uma atitude ultrajante, com certeza, do ponto de vista desse grupo acostumado à proximidade do poder.
"Cuidado, Dilma", advertiu o deputado Paulo Pereira da Silva, referindo-se à manutenção da Tabela do Imposto de Renda. "O FHC começou assim. Não corrigiu a tabela. Foi o primeiro erro dele. Ninguém está botando a faca no pescoço, mas espero que esta seja a última manifestação."
Há bons argumentos a favor da correção da Tabela, mas a truculência do deputado não tem a mínima relação com argumentos e razões. É apenas isso - truculência, reforçada com a invocação do nome de Lula como exemplo para sua sucessora.
Qual a diferença entre o presidente da CUT, Artur Henrique, e seu colega, o deputado Pereira da Silva, mais conhecido como Paulinho da Força?
Em outros tempos haveria rivalidade entre as duas organizações. A CUT, um produto do sindicalismo outrora pregado por Luiz Inácio Lula da Silva, tenderia a apoiar o governo petista. O próprio Lula cuidou de eliminar tanto a rivalidade quanto qualquer diferença em termos de valores. CUT e Força hoje se distinguem quase exclusivamente como siglas. Se existe uma rivalidade, é essencialmente em torno da obtenção de benefícios, como, por exemplo, a fatia do Imposto Sindical.
Nenhuma surpresa, portanto, quando o presidente da CUT repete palavras do presidente da Força. Segundo o dirigente Artur Henrique, a presidente cercou-se de "economistas burocratas", empenhados em "implantar a agenda dos derrotados nas urnas". Em outras palavras, ela estaria disposta a executar políticas propostas pelos tucanos. Para esclarecer sua acusação, o sindicalista citou o ajuste fiscal defendido pela equipe econômica.
A presidente já deveria saber disso. Se tivesse alguma dúvida, teria sido eliminada pelo comentário do presidente da CUT: arrumação das contas públicas é coisa de tucano. Talvez pudesse ter acrescentado: de neoliberal, de direitista, de reacionário.
Ao concordar com um salário mínimo de R$ 545, pouco maior que o proposto no fim do ano, a presidente Dilma Rousseff quis evitar a perda causada pela inflação, só conhecida há poucos dias. O argumento contra um aumento maior foi a necessidade de ajeitar as contas públicas e conter a alta de preços, uma das maiores ameaças aos assalariados. Pressionada e ameaçada pela nata do peleguismo, a presidente Dilma Rousseff dificilmente poderá evitar uma definição, esclarecendo se cumprirá as primeiras promessas de governo ou se manterá com os sindicalistas a relação promíscua escolhida por seu antecessor para o exercício de poder.
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