Efeito cascata
Luiz Garcia
O Globo - 28/12/2010
Os jornais, todos eles, erram quando noticiam que senadores, deputados ou vereadores terão reajuste salarial. Não porque nossos operosos representantes deixarão de levar mais dinheiro para casa no fim do mês. E sim porque mandato parlamentar não é emprego e não paga salário: o nome correto é subsídio.
Faz diferença? Deveria fazer. O salário representa a remuneração justa - isto é, correspondente à produtividade - de um trabalhador. É assim na iniciativa privada, obrigatoriamente, pelo menos em tese: a operosidade do funcionário produz os recursos que, descontado o lucro do patrão, alimentarão a folha de pagamentos. E o patrão esperto premia a diligência e a competência do trabalhador porque o seu lucro será maior no fim de cada mês.
Já os subsídios - e não salários - do vereador, do deputado e do senador, lamentavelmente, não mantêm qualquer relação de causa e consequência com a sua operosidade. Este mês, deputados e senadores aumentaram seus subsídios em 62%. Isso não aconteceu porque sua dedicação e sua produtividade aumentaram em qualquer proporção. Aumentaram porque podiam aumentar - e porque o eleitor tem memória curta. Na verdade, nem por isso: ele não teria a opção de votar num deputado ou senador que tivesse recusado os 62% com o argumento, que seria recebido com vaia estrondosa pelo plenário, de que a legislação em causa própria exige, pelo menos, comedimento. Essa vaia, pelo visto e sabido, nunca será ouvida.
A farra federal será também estadual e municipal a partir de 2013, num efeito cascata que varia de estado para estado: os deputados estaduais ganham uma porcentagem que pode ser de até 75%, dos vencimentos dos federais, e os vereadores podem ganhar igual fatia do que recebem os estaduais. É assim porque é assim: não existe fórmula que equipare remuneração com produtividade. De certa maneira, antes isso: dá para se imaginar o festival nacional de projetos de lei municipais e estaduais, se disso dependesse o contracheque de deputados e vereadores.
Em tese, faz algum sentido que a remuneração do trabalho legislativo em estados e municípios tenha como parâmetro os vencimentos dos representantes federais. E que estes se inspirem, por assim dizer, na remuneração do presidente da República. Mas este, ou esta, que não pagam casa, comida e avião, com certeza não precisavam ganhar o que ganham. O efeito cascata é assustador.
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