Dúvidas sobre a agenda
ALON FEUERWERKER
CORREIO BRAZILIENSE - 28/12/10
O controle "social" da mídia tem paralelismos com a capacidade nuclear. A possibilidade de usar a arma é útil para efeito de dissuasão, mas uma vez disparado o primeiro míssil a coisa muda completamente de figura
Na reta final do presidente que vai para casa sobressai o desagrado dele com a imprensa. É verdade que nesses oito anos o chefe do governo foi alvo de artilharia. Era previsível. Mas mesmo assim reelegeu-se, elegeu a sucessora e sai otimamente bem avaliado.
Ou seja, ele venceu a guerra e a liberdade de imprensa foi preservada. Qual o motivo de tanto incômodo?
Talvez porque para sua excelência certas guerras ainda não tenham terminado.
O quase ex-presidente parece ter a pretensão de dominar a narrativa atual e vindoura sobre si próprio. Seria sem dúvida uma fonte de poder futuro, e estes dias assistem a uma notável exibição de músculos, a um esforço imenso para reger os elementos.
Que entretanto são mais fortes.
Há também a preocupação com os quatro anos até 2014. Na teoria, Dilma Rousseff não domina tão bem as artes de vitimizar-se e demonizar os críticos, e deverá enfrentar mais dificuldades.
Ela seria mais vulnerável a pressões, mais arrastável a vir combater na planície. Daí o bombardeio preventivo.
Mas a suposta fragilidade de Dilma na comunicação é por enquanto teoria. Ela aprendeu outras artes da política, pode muito bem aprender também aqui.
Ou talvez já tenha aprendido, com a expertise apenas encoberta pela ubiquidade do mestre.
Dilma ofereceu na Casa Civil demonstrações de apetite e frieza para lidar com o poder. Foi contemporânea da consagração da linha de que a melhor defesa contra qualquer crítica é o ataque, a desqualificação do crítico.
O governo que sai operou espertamente um elo imaginário entre o "controle social da mídia" e a "democratização da comunicação". Como esse "social" significa também "estatal", o elo fica algo prejudicado. Uma contradição insolúvel na vida prática.
O quase ex-presidente deixa para a sucessora pelo menos uma herança maldita.
Como Dilma administrará a ameaça de interferência estatal mais direta no conteúdo produzido pelas empresas e pessoas que vivem de se comunicar?
O bom senso recomendaria zerar o jogo e não trazer automaticamente para si os contenciosos do antecessor, até por ela própria não ter maiores contenciosos na área.
Mas isso exigiria um grau de independência que a presidente eleita ainda precisa exibir. E como o ex-presidente reagiria à inflexão? Bem ele, que já conclamou o PT a desencadear a guerra em 2011.
O controle "social" da mídia tem paralelismos com a capacidade nuclear. A possibilidade de usar a arma é útil para efeito de dissuasão, mas uma vez disparado o primeiro míssil a coisa muda completamente de figura
Uma curiosidade sobre esta largada de governo Dilma Rousseff é saber se virá dela o primeiro tiro, saber se interessa ao novo governo que o tema da guerra particular do PT contra a imprensa (e vice-versa) domine o primeiro ano de mandato.
O assunto tem tudo para empurrar a administração ao atoleiro, mas vai saber? Já o jornalismo teria matéria prima de primeira. Notícia não iria faltar.
Ainda mais se a coisa viesse junto com a reforma política dos sonhos do presidente que sai, que tentou mas não teve força para abolir a eleição direta dos representantes do povo na Câmara dos Deputados, nas assembleias estaduais e câmaras municipais.
Tentou impor o voto em lista fechada, a eleição indireta de deputados e vereadores em listas partidárias preordenadas (pelos caciques das legendas).
Claro que com o simpático chamariz do "financiamento exclusivamente público".
Se essa for mesmo a agenda de 2011, vai ter diversão garantida.
Lá como aquiComo diria Mark Twain, parecem ter sido algo exageradas as notícias sobre a morte política de Barack Obama após a surra aplicada pelos republicanos nos democratas na eleição intermediária de novembro último.
A reta final deste Congresso americano, pato manco no jargão deles, foi ineditamente produtiva, aprovando a prorrogação do corte de impostos, ratificando o tratado militar com a Rússia e outras medidas de interesse do governo.
O detalhe é que em todas as votações ou houve acordo ou Obama rachou o campo adversário. Os republicanos parecem querer evitar que Obama os acuse de investir indefinidamente em impasses prejudiciais aos eleitores.
O desafio da oposição a Obama é ser destrutiva e construtiva na combinação certa.
Mais ou menos como aqui.
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