Congresso: emenda e soneto
Fernando de Barros e Silva
FOLHA DE SÃO PAULO - 17/12/10
SÃO PAULO - Nem precisava de um roteiro tão didático. Durante a campanha, Tiririca perguntava: "O que faz um deputado federal?". E respondia: "Na realidade, eu não sei. Mas vota em mim que eu te conto".
Ontem Tiririca foi conhecer a nova casa, justamente quando seus pares tratavam de aprovar a toque de caixa um aumento salarial de 62% para eles mesmos (de R$ 16,5 mil para R$ 26,7 mil). "Acho bacana, acho legal. Cheguei em um bom dia, dei sorte", comentou Tiririca, no centro do circo legislativo, cercado por repórteres. Antes mesmo de assumir, fez o papel dele, de idiota útil, ou de bobo da corte -porque os palhaços somos nós.
Escrevo isso e hesito diante do clichê embutido na suposição de que os políticos fazem a sociedade de otária. Como, porém, reagir a um Congresso que zomba e tripudia abertamente da opinião pública?
Um Congresso cada vez mais desconectado dos anseios do país, cada vez menos capaz de propor ou debater as questões nacionais. Um Congresso que opera segundo a cartilha da fisiologia e do compadrio e gravita em torno de seus próprios interesses, tirando proveito, malandramente, do papel irrelevante a que vai sendo confinado.
Esse aumento escorchante cai, agora, como uma espécie de soneto da desfaçatez sobre o escândalo das emendas. Como se sabe, deputados usaram institutos de fachada e empresas em nome de laranjas para desviar recursos destinados à promoção de "eventos culturais". A fraude não é exatamente nova. Nova é a percepção da sua escala industrial. Alguma punição à vista?
Além do salário, agora engordado, os "emendeiros" têm direito a R$ 60 mil de verba de gabinete (para supostamente contratar assessores) e ao chamado "cotão", para gastos com passagens, telefone, correio etc. -que chega a R$ 34 mil.
Para falar a língua deles -é uma lambança. Quantos resistiriam a uma auditoria básica no uso que fizeram dessa verba no último ano? Vota em mim que eu te conto.
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