sexta-feira, dezembro 03, 2010

CELSO MING

Previsibilidade 
Celso Ming 
O Estado de S.Paulo - 03/12/2010

Ontem, no seu último discurso ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), o presidente Lula atribuiu o bom momento da economia à preservação de dois princípios ao longo do seu governo: o da responsabilidade e o da previsibilidade. Lula disse que pegou a economia toda quebrada. "Eu pensava: como vou governar um país que não tem conserto?"

É uma declaração com certo exagero e verdadeira apenas pela metade. E o que contém de verdade tem mais a ver com o comportamento do Banco Central do que do resto do seu governo.

O maior exagero é o de que pegou a economia quebrada. O Plano Real aconteceu em 1994, depois dele veio a Lei de Responsabilidade Fiscal e a adoção do sistema de metas de inflação. E este já foi meio conserto andado sobre o qual Lula preferiu não passar recibo. Perdeu uma boa oportunidade para ser mais sincero.

Um rápido exame sobre a qualidade das contas públicas mostra que, pelo menos nos três últimos anos do governo, prevaleceu a gastança e não propriamente a responsabilidade fiscal.

Mas isso não significa que o nível de previsibilidade não seja hoje maior do que era no início de 2003, quando do início do seu primeiro mandato. E, com todos os méritos para o governo Lula, isso tem de ser reconhecido.

No entanto, o grau de previsibilidade agora só é maior do que era lá atrás porque o Banco Central teve de acionar com a política de juros o que o resto do governo, com as demais políticas, deixou de fazer. Coincidentemente, o argumento da previsibilidade nunca foi enfatizado nem pela Fazenda, nem pelo Planejamento, nem por outro setor. Nos últimos oito anos, foi do Banco Central.

Do ponto de vista macroeconômico o bom nível de previsibilidade é fator determinante não só para a eficácia dos investimentos e da administração dos contratos de longo prazo. Seu impacto positivo permeia toda a economia.

A partir do momento em que empresas e consumidores podem contar com a inflação na meta, por exemplo, cai o nível de incerteza. Assim, nem o empreendedor nem o consumidor precisam fazer provisões excessivas para garantir cobertura para o fator-surpresa e para as imponderabilidades. Nessas condições, o crescimento econômico se constrói sob bases sólidas e terá como consequência o aumento do emprego e da confiança no futuro.

Dá para dizer que toda a boa gestão de negócios e de implantação de projetos consiste em reduzir ao máximo os fatores sobre os quais não há controle. Essa é a razão porque todo governo e todas as empresas bem administradas têm de trabalhar com projeções confiáveis que servem de parâmetros para a tomada de decisões. O problema é que deficiências de gestão macroeconômica e excessivas concessões ao populismo, como as que se viram nos últimos meses, aumentam o grau de risco e de imprevisibilidade e podem levar os agentes econômicos tanto a adiar a implantação de projetos como a tomar decisões de baixa eficiência.

No momento, o ministro Guido Mantega retomou o discurso da austeridade e do equilíbrio das contas públicas. É, indiretamente, o reconhecimento de que esse aperto de cinto ficou necessário porque o governo gastou demais. E é também o reconhecimento de que a disparada da despesa pública nos dois últimos anos da administração Lula, principalmente em 2010, tirou previsibilidade da economia.

CONFIRA

Recompra prorrogada
O presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, não anunciou ontem a recompra de títulos públicos com que o mercado vinha contando. Em compensação, garantiu que as operações destinadas a assegurar o nível de liquidez junto aos bancos e as operações especiais de crédito seriam prorrogadas. Mas ele avisou que elas serão de caráter temporário.

Gol da Alemanha
Com isso, prevaleceu o ponto de vista da Alemanha, contrária a políticas escancaradas de afrouxamento quantitativo, tal como colocadas em prática pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos).

Na moita?
Até há algumas semanas, o BCE havia recomprado ? 67 bilhões em títulos emitidos por países da área do euro. Como Espanha, Irlanda e Portugal encontraram certa facilidade para a colocação de novos papéis de dívida, ficou entendido que o BCE está atuando, mas que preferiu manter em sigilo o valor da intervenção.

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