terça-feira, novembro 23, 2010

VINÍCIUS TORRES FREIRE

A novelinha do Banco Central
VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SÃO PAULO - 23/11/10

Exagero sobre a transição no BC dá a impressão de que a estabilidade econômica no país está à beira do colapso


É UM EXAGERO o burburinho que se faz sobre a sucessão no comando do Banco Central. Antes de examinar o tsunami em copinho de cachaça, explique-se, porém, a novela. O comando do governo-de-transição de Dilma Rousseff vaza para os jornalistas que a presidente eleita irritou-se com o atual presidente do BC, Henrique Meirelles. Na semana passada, Meirelles fez vazar para os jornalistas que não ficaria no posto se o BC não permanecesse autônomo.
O pessoal de Dilma diz que tal atitude foi "imprópria" porque: 1) Dilma não teria convidado Meirelles, que estaria superfaturando sua saída, encenando uma despedida de "herói da resistência monetária"; 2) Ao condicionar sua hipotética permanência à manutenção da autonomia do BC, Meirelles teria armado uma cilada para Dilma. Se Mei- relles sai, ficaria a impressão de que Dilma, desde logo, quer atropelar o principado soberano do BC.
A seguir, veio a chacrinha de costume no "mercado" e de seus porta-vozes. Vieram as jeremiadas sobre o "futuro da estabilidade financeira do país" e outras demasias por ora cafonas, entre as quais os "alertas" sobre a alta dos juros no mercado futuro, uma besteira irrelevante, no caso, pois o mercado futuro de juros varia até com o clima de São Paulo; vai e volta em minutos.
A política econômica de Dilma pode até vir a não prestar. Aliás, já não é muito bom que, a um mês e pouco da posse e depois de ano e meio de campanha, a gente saiba tão pouco a respeito do que pensa a presidente. Mas, pelo bem ou pelo mal, há tumulto demais sobre algo que se conhece tão pouco.
A decisão crucial de Dilma diz respeito à limitação dos gastos do governo. Se forem anunciados planos e ações críveis de redução da dívida pública, os demais problemas econômicos ficam menores, os políticos e os de políticas. Lula raspou o cofre no seu biênio final. Gastou muito além do necessário a fim de conter a crise de 2008; a contabilidade do governo foi desacreditada.
Há contabilidade criativa no balanço do governo. Alguns bons resultados estão inflados por receitas não recorrentes. Um estudo divulgado ontem pelo economista-chefe do Santander para o Brasil, Alexandre Schwartsman, mostra, por exemplo, que o superavit fiscal "limpo" de excepcionalidades foi em média de 2% do PIB de 2002 a 2008, caindo para 0,5% em 2009-10. A meta "cheia" de superavit era de 3,3%.
É razoável a dúvida sobre como Dilma vai se comportar em relação ao BC. Mas se note que Lula interferiu no BC de modo indireto, por meio de pressões, declarações "para a galera" e de conversas com Meirel- les, conversas que redundaram na nomeação de uma diretoria menos "dura" para o BC na maior parte do segundo mandato luliano. Do mesmo modo, Lula fez o Ministério da Fazenda moderar as críticas ao BC.
Qual será o modus dilmiano? Mistério. Dilma é muito mais opinionada e "ideológica" do que Lula. Mas o que pode acontecer? Dilma cortar cabeças quando a Selic não cair ao seu gosto? Baixar decretos informais sobre o nível da Selic? A presidente arrumaria confusão em dois meses. Seria assim tão tola? Além do mais, que economista sério ficaria no BC apenas para apertar botões? Alexandre Tombini, o segundo de Meirelles? Para quem já conversou com o economista, não parece ser o caso de modo algum.

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