Velharia reluzente
Celso Ming
O Estado de S.Paulo - 10/11/10
O presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, em artigo no jornal Financial Times, no dia 8, fez uma proposta surpreendente e incompreensível. Ele pediu a volta do padrão ouro ao sistema monetário internacional.
Quando, em 2002, era a autoridade da Casa Branca para Assuntos Comerciais (portanto, com status de ministro), Zoellick foi chamado por Lula de "sub do sub do sub". Hoje é presidente de uma das instituições criadas em 1946 pelo Acordo de Bretton Woods para supervisionar o Sistema Monetário Internacional.
O padrão ouro desmilinguiu-se em 1971 quando os Estados Unidos não conseguiram mais garantir a conversibilidade do dólar em ouro, na proporção de US$ 35 por onça-troy (31,1 gramas). Ao longo dos anos 50, o governo americano teve enormes despesas com a Guerra Fria e, nos anos 60, deixou-se atolar na Guerra do Vietnã. Por isso, recorreu ao velho truque de pagar boa parte de suas contas com emissão de moeda.
As emissões foram tão descaradas que, instigado pelo economista Jacques Rueff, o então presidente da França, Charles de Gaulle, não parou de apresentar dólares aos guichês do Tesouro americano para que fossem trocados por ouro. Como não havia em Fort Knox metal suficiente para dar conta da enormidade de dólares em circulação, o presidente Richard Nixon não teve outra saída senão suspender a conversibilidade do dólar em ouro.
A proposta de Zoellick certamente não pressupõe o atrelamento das moedas mais importantes ao ouro, porque não há ouro em volume suficiente para dar conta disso. O maior economista do século 20, John Maynard Keynes, já tinha feito as contas e chegara à conclusão que todo o ouro do mundo nos anos 40 cabia num navio. Ele imaginava que essa embarcação carregada com todo esse ouro pudesse ser afundada em alguma fossa abissal dos oceanos para que "a relíquia bárbara", que, a rigor, tem pouca utilidade prática além de produzir enfeites para nossas mulheres e servir para próteses dentárias, nunca mais fosse trazida de volta.
A principal preocupação de Zoellick parece ser a enorme volatilidade dos mercados cambiais e a imprevisibilidade para a execução dos contratos que isso produz.
Mas fica difícil entender como evitar volatilidades com eventual retorno do padrão ouro. A partir do momento em que isso acontecesse, os preços, hoje acima de US$ 1,4 mil por onça-troy, saltariam para o que Deus quisesse, com grandes lucros para os principais países mineradores, como China, Austrália, Estados Unidos e África do Sul. A produção global não passa de 2,5 mil toneladas por ano. A oferta brasileira não chega a cerca de 60 toneladas.
Enfim, uma coisa foi a conversibilidade em ouro enquanto a economia mundial era relativamente pequena, como acontecia no início do século 20. E outra, bem diferente, quando tem de atender às necessidades de um PIB global de US$ 61,9 trilhões e negócios financeiros diários de outras dezenas de trilhões de dólares.
Se o padrão ouro foi abandonado não foi apenas porque fora mal manejado. Foi, principalmente, porque não conseguia mais exercer as funções monetárias de uma economia que cresce todos os dias.
Se voltasse a ser adotado, provavelmente provocaria instabilidade muito maior do que a de agora. Se não por outra coisa, isso aconteceria porque, até mesmo antes de sua volta, as pessoas perguntariam quanto tempo uma velharia dessas conseguiria se manter em pé.
Por trás da inflação
A cada mês se pode eleger um bode expiatório para a esticada da inflação. Mas é preciso ir mais fundo. Esse aumento do IPCA de outubro tem a ver com o avanço da despesa pública, que gera renda, estimula o consumo e puxa os preços.
Vai ter de segurar
O principal efeito dessa inflação mais alta vai ser frustrar o governo que pretendia derrubar os juros e, assim, tirar o atrativo dos especuladores no câmbio. O Banco Central não vai conseguir baixar a Selic imediatamente.
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