O barquinho do Brasil e o dólar
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 26/10/10
Países do G20 assinam comunicado para americano ver e para brasileiro lamentar; dólar cai mais
OS EUA se comprometeram a "não desvalorizar o dólar" (rir, rir). Foi na reunião dos ministros das Finanças do G20, no final de semana passado, na Coreia do Sul. Os ministros pariram um comunicado sem graça e de escasso valor prático, como de costume, mas no qual se diz que o valor das moedas dos países do grupo deve ser cotado pelo mercado (rir, rir).
O que está em jogo? Políticas de câmbio e econômicas que permitem a alguns países terem grandes superavit externos (grosso modo, exportação de bens e serviços muito superiores às importações). Por exemplo, China e Alemanha, a China em especial, pois, além de poupar muito (o que redunda em muito excedente exportável), "manipula" sua moeda, adota políticas de câmbio que baixam ainda mais o valor do yuan (o que torna os produtos chineses ainda mais baratos).
Se valesse o que está escrito no comunicado, porém, todas as moedas do G20 se desvalorizariam em relação ao dólar. Mas China e cia. asiática, afora o Japão, de relevante, não vão deixar que suas moedas flutuem feito barquinho de papel no mar de dólares que os EUA despejaram e ainda vão despejar na economia ainda anêmica. O mercado entende isso e, ontem, o dólar voltava a cair.
Logo, a reunião do G20 repetiu o fracasso habitual de qualquer cúpula? Sim, mas não um fracasso 100%. Primeiro, surgiram alguns temas de conversa mais organizada para a reunião dos chefes de governo do G20, em novembro. Segundo, é melhor conversar do que partir para o conflito aberto.
Os EUA fizeram meio pontinho. Pelo menos conseguiram um comunicado que criticasse políticas como as da China, sem dizê-lo. Mas sua proposta de metas para saldos externos, que implica quase intervenção em políticas econômicas domésticas, foi esnobada por China, Alemanha, Índia e Rússia (o Brasil nem foi à reunião, meio "em protesto").
O comunicado trata ainda de dizer que os países não devem promover desvalorizações competitivas de suas moedas (a fim de ganhar fatia do comércio mundial) e devem adotar políticas que ajudem a reduzir os desequilíbrios mundiais (deficit enormes, como os americano e britânico, superavit gigantes, como os de China e Alemanha).
A China não costuma dar a mínima para tais comunicados ou afirma que vai cumprir acordos de modo lento, seguro e gradual. A novidade do encontro foram os orgulhosos alemães, que avacalharam soberbamente os americanos.
Os deficit e as dívidas públicos alemães são os menores do mundo rico relevante. Sua economia não viveu de bolhas, como as de EUA e Reino Unido, nem se desindustrializou. Os alemães não "manipulam a moeda". Sua economia não precisou de injeções heterodoxas de moeda para ressuscitar. Seu superavit externo é similar ao chinês, na casa do trilhão de dólares.
Mas a Alemanha paga salários dezenas de vezes maiores que os da China, tem seguridade social, seis semanas de férias etc. Ou seja, é eficientíssima. Mesmo com alto nível de vida, seus produtos são competitivos.
E o Brasil? Se queixa dos EUA. Mas não tem os recursos, disciplinas ou competências de China e Alemanha. O real fica mais forte, o país poupa pouco, o deficit externo cresce. Do G20 é que não virá solução para nossos problemas.
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