Instrumento do amor
Ruy Castro
FOLHA DE SÃO PAULO - 11/10/10
Outro dia, na ponte aérea, fui parado no raio-X do Santos-Dumont por estar ‘portando’ um cortador de unhas. A senhora da esteira não perdoou: ou eu voltava ao balcão e despachava o instrumento pontiagudo ou teria de despejá-lo numa caixa destinada a objetos proibidos de entrar em aviões. Para não perder o voo, preferi me desfazer dele. E olhe que era um trim de estimação.
Pois, na sexta última, voltou a acontecer, só que em Congonhas. Desta vez, o objeto que eu ‘portava’ era uma caixa de madeira de 36cm x 39cm, contendo um motor, dois pequenos alto-falantes, um prato giratório, uma haste equipada com um microestilete de diamante, um pino central e várias roldanas e polias. Além de botões de liga-desliga, próprios, talvez, para disparos automáticos, inclusive um chamado de ‘automático’.
Ao ver a caranguejola – tão bem embalada por meus amigos Mercia e Mario Gabbay, que tinham me presenteado com ela –, as duas jovens do raio-X fizeram a esteira ir e voltar enquanto discutiam a finalidade do objeto. O qual poderia ser tudo, desde um instrumento de tortura até uma bomba-relógio ou uma máquina para fins imorais.
Então, perguntaram-me o que era. Respondi: “É um toca-discos Philips, modelo 243, de fabricação alemã. Tem amplificação própria, seu prato gira a 33, 45 e 78 rpm, e é equipado com uma cápsula contendo uma agulha para discos de vinilite e outra para discos de cera de carnaúba e guta-percha”.
As moças nem piscaram. Insisti: “Eu sei, parece arma de terrorista. Mas é um instrumento do amor. Os pais de vocês já namoraram muito ao som desse equipamento”.
Ao ouvir a palavra equipamento, elas respiraram e soltaram a esteira, liberando meu subversivo toca-discos. No qual, desde sábado tenho tocado 78s de Stan Kenton, Lionel Hampton e Spike Jones, fazendo o maior barulho a horas mortas.
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