segunda-feira, outubro 11, 2010

RAUL VELLOSO

Gastos e juros em ascensão
RAUL VELLOSO
O GLOBO - 11/10/10



Sem entrar no seu mérito específico, algo que exigiria uma outra coluna, a evolução dos gastos não financeiros da União desde 1997 mostra uma incrível regularidade: com a honrosa exceção de 2003, quando o então ministro Palocci promoveu um expressivo ajuste, e de 1999, primeiro ano após a queda do regime de câmbio quase fixo e pós acordo com o FMI, os gastos só crescem. Mais do que isso: crescem a taxas cada vez mais elevadas. E o crescimento das despesas que acaba de ser divulgado para 2010 só perdeu para 1998, último ano de descontrole fiscal da fase pré-câmbio flexível.

A outra observação relevante é de que, com exceção dos atípicos 1999 e 2003, em todos os anos do período analisado os gastos cresceram a taxas acima das calculadas para o Produto Interno Bruto (PIB). (Os gastos foram deflacionados pelo índice de inflação adotado na política de metas, o IPCA, e a projeção do crescimento real do PIB em 2010 é a última divulgada no Boletim Focus, do Banco Central - BC.) É claro que no auge da crise de falta de demanda, em 2009, esse aumento superior ao do PIB seria justificável.

Mas isso mostra como, em geral, o peso dos gastos públicos tem subido em relação à demanda agregada total. Entre 1997 e 2010, pelos dados acima, os gastos terão crescido, em termos reais, 135,6%, e o PIB real, 49,3% (ou seja, nesse período os gastos terão crescido quase três vezes mais que o PIB). Dado que a proporção dos gastos correntes - super-rígidos no Brasil - é muito elevada, isso revela, ao final, quão difícil é a tarefa do BC, que não conta com ajuda da política fiscal no combate à inflação e no combate aos déficits externos (quando há secura de capitais externos), tendo de arcar com o ônus político de subir os juros sempre que detecta pressões indesejáveis.

Por mais que, em vários anos, a receita da União tenha crescido acima do crescimento do PIB, o descontrole dos gastos do Tesouro Nacional a partir de 2009 (gastos esses obviamente influenciados pela campanha eleitoral e turbinados pelos novos e gigantescos subsídios de crédito concedidos pelo BNDES) terminará produzindo um aumento sistemático da razão entre a dívida pública e o PIB, trazendo de volta, desnecessariamente, as velhas preocupações com insolvência pública. A subida da razão dívida líquida-PIB ainda não mostrou sua face, porque o PIB em 2010 está crescendo temporariamente acima de sua taxa sustentável.

Nesse contexto, e como já se foram oito meses de resultados fiscais divulgados pelas autoridades, o cumprimento da meta de superávit primário (excedente de caixa antes de pagar juros) global de 3,3% do PIB para 2010, por caminhos convencionais, tende a não se materializar.

A não ser que se crie alguma solução atípica para aproximar, no final do processo, os resultados observados da meta, correndo o risco de abalar a credibilidade da gestão fiscal construída com tanto sacrifício a partir de 1998, quando se deu a crise da Rússia.

Desde o final do ano passado o superávit total vem "rodando" ao redor de 2% do PIB, com cerca de 65% do resultado gerado pelo governo central.

Se este assumir a responsabilidade de cumprir a meta de superávit primário de 3,3% do PIB este ano, ou seja, de fazer o ajuste requerido para tal, ele terá de dobrar seu atual superávit de 1,3% do PIB, considerandose os últimos doze meses, para fechar a brecha existente. Para isso, o seu superávit específico terá de fechar o ano em R$ 91,9 bi, considerandose a projeção oficial do PIB em R$ 3,534 trilhões. Como, até agosto, pelos cálculos do BC, foram gerados cerca de R$ 28,8 bi (média mensal de R$ 3,6 bi), fica faltando gerar R$ 63,1 bi. (ou R$ 15,8 bi em média) até o final do ano, algo que, em princípio, seria de muito difícil implementação.

(O secretário do Tesouro anunciou que o superávit de setembro pode chegar perto de R$ 30 bilhões, por conta da operação de capitalização da Petrobras, o que, segundo ele, será recorde histórico, mas não pôde ainda dar os detalhes.) Um das consequências básicas de processos como o atual é a ocorrência de elevados déficits externos. Como o país vive inédita onda de entrada de capitais, é possível conviver com tais déficits sem maiores transtornos.

(Registre-se que a inundação de dólares decorre em grande medida da lenta retomada do crescimento econômico no mundo desenvolvido, pós-crise do mercado imobiliário, acentuada, no último mês, pela entrada recorde de recursos decorrente da operação de capitalização da Petrobras.) Sabe-se, contudo, que a situação externa tende a se normalizar em alguns anos, quando será difícil financiar déficits externos tão elevados.

Nessa hora, o ajuste do Balanço de Pagamentos com o exterior se dará via subida da taxa de câmbio (o que causa inflação) e via corte da demanda agregada. A se manter a tradicional inércia da política fiscal, o ajuste se dará, em última instância, via aumento da taxa básica de juros do BC, a pior solução em termos de queda de emprego.

RAUL VELLOSO é economista.

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