Em breve no dicionário
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 22/09/10
O taxista fala pelo rádio com a central e diz que está “tripulado”. Ou seja, tem um passageiro. É um conteúdo novo para o verbo tripular, que, até há pouco, nos dicionários, significava “prover um veículo do pessoal necessário para os serviços e manobras”. Donde bastaria ao táxi ter um motorista para estar tripulado. Essa inversão de sentido é até divertida.
Outro dia, no aeroporto de Congonhas, o sistema de som anunciou que, como o Santos Dumont estava fechado para pouso, meu avião iria “divergir” para o Galeão. Estranhei, mas, pensando melhor, concluí: Está certo. Divergir é afastar-se progressivamente, desviar-se – e só depois discordar, dissentir.
Mas confesso que embatuquei quando a companhia aérea informou que os voos xis e ipsilone seriam “fusionados” – fundidos num só. Em casa, fui ao dicionário e aprendi: fusionar existe, e é o mesmo que fundir. Então, ótimo: divergir e fusionar não estão errados. São apenas pernósticos. Não tão pernósticos, claro, quanto dizer que a estrada tal é “pedagiada” – ou seja, cobra pedágio.
Bem ou mal, a língua não para, e velhas palavras ganham sangue novo segundo a necessidade. “Aparelho”, por exemplo, sempre foi um engenho, utensílio ou peça para determinado fim. E “aparelhar”, a disposição desse objeto para uso. Em outros tempos, no entanto, “aparelho” foi também um local destinado a esconderijo ou ponto de reuniões de um grupo clandestino.
Pois temos agora, derivado dele, o novo verbo “aparelhar”: a tomada de órgãos do Estado por um grupo político-ideológico, sem preocupação com a qualificação técnica dos nomeados para geri-los e com a consequente (e já visível) deterioração de seus serviços. Exemplos disso, por enquanto, são os Correios, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a Receita Federal e a Casa Civil. Em breve num dicionário perto de você.
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