Dilma, olhai por Sakineh
Zuenir Ventura
O GLOBO - 18/08/10
Depois que a advogada iraniana Shirin Ebadi, Prêmio Nobel da Paz em 2003, disse que só a pressão internacional pode salvar Sakineh Ashtiani do apedrejamento, espera-se que Lula insista com firmeza junto a Ahmadinejad, que rejeitou a oferta de asilo, alegando não haver necessidade de “criar mais confusão para o presidente Lula”, que, por sua vez, já justificara o oferecimento dizendo que queria livrar o colega de um “incômodo”. O que um chama de “confusão” e o outro de “incômodo” é uma mulher de 43 anos que está no corredor da morte aguardando execução. Tanto os dois filhos da condenada quanto os advogados que tentam defendê-la são unânimes em reafirmar a importância do papel do Brasil e de seu presidente, tendo em vista sua declarada amizade com o tiraniano.
Espera-se também que Dilma Rousseff, além de interceder junto a seu padrinho, manifeste publicamente sua própria indignação e engrosse o movimento mundial para salvar Sakineh, quando nada por solidariedade feminina. Procurei no Google e só encontrei essa declaração da candidata do PT: “A condenação fere a nós, que temos sensibilidade, humanidade.” É pouco. A condenação fere mais, é um atentado inominável contra os direitos humanos universais. Em menor escala, a ex-guerrilheira sabe o que é isso, pois foi torturada durante a nossa ditadura.
Espera-se finalmente que a vida de Sakineh seja poupada, ela que, em 2006, já recebera 90 chibatadas por “relação ilícita” com o presumível assassino de seu marido (depois, o juiz reabriu o processo e, mesmo sem testemunhas, concluiu que o relacionamento ocorrera ainda em vida do assassinado, o que constituía adultério, passível de apedrejamento).
Agora, seus algozes podem perdoá-la ou “abrandar” a pena para enforcamento, acreditando dar ao mundo uma prova de que existe compaixão no reino dos aiatolás, onde a corda no pescoço é um prêmio de consolação. De qualquer maneira, como esse episódio não encerra a prática infame, já que ainda há pelo menos mais doze mulheres à espera de serem apedrejadas, resta uma pergunta para Dilma: se eleita, ela continuará apoiando um sistema que mata mulheres por lapidação ou enforcamento? O apelo que a advogada Shirin faz a empresas como a Nokia — que teria fornecido a Teerã equipamento para censurar celulares — pode se estender de alguma maneira ao governo brasileiro: “Parem de ganhar dinheiro fortalecendo o sistema de repressão no Irã”, ela pede.
Será que os interesses comerciais no nosso caso justificam tanta simpatia e complacência com um regime em que a barbárie é lei?
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