sábado, agosto 07, 2010

BRASIL S/A

O IPCA traíra
Antonio Machado
CORREIO BRAZILIENSE - 07/08/10

Mais outra rodada do índice oficial de inflação, dada pelo IPCA, dos preços ao consumidor, apurado pelo IBGE, veio corroborar que o repique no início do ano era mais sazonal do que os economistas do mercado financeiro alertavam — e o Banco Central encaçapou.

A evolução do IPCA em julho ficou praticamente estável, repetindo o desempenho de junho em relação ao mês anterior (respectivamente, 0% e 0,01%), sem influência do ciclo de engorda dos juros básicos.

O Banco Central descongelou em abril a Selic, que vinha de 8,75% desde 2009, estando agora em 10,75% ao ano depois de três aumentos seguidos. A desinflação em curso ainda não reflete esse ciclo.

Arrocho de juros repercute sobre a demanda com um atraso estimado pelo BC de seis a nove meses. Ao elevar a Selic, o BC enxergava a dinâmica da economia de 2011, portanto — e entendia que devia agir sem demora para desaquecer o consumo antes que, pela negociação dos juros no mercado futuro, se consolidasse a expectativa de inflação, se afastando da meta anual: 4,5% este ano e no próximo.

Precipitou-se, o que hoje, olhando-se para trás, parece sequela, à época, da indefinição do presidente do BC, Henrique Meirelles, sobre se seguia no cargo ou saía para se candidatar. Desde que se filiara ao PMDB no ano passado, essa possibilidade estava posta.

Muita gente do mercado financeiro receava o BC ocupado por alguém desafinado com os usos e costumes do regime de metas de inflação. A projeção do IPCA medida semanalmente pelo BC para o ano, os doze meses à frente e os dois anos seguintes, por coincidência ou não, começaram a descolar da meta anual de 4,5% naquele momento.

É certo que o consumo vinha forte também, mas, conforme hipóteses que então já circulavam, poderia expressar em parte a antecipação de compra de bens como carros e eletrodomésticos beneficiados com a redução do IPI para minorar a recessão em 2009. Era o que dizia o ministro Guido Mantega, sem encontrar eco, até por agir noutras ocasiões mais como RP dos resultados da economia que para alinhar as expectativas correntes. Mantega desta vez estava certo.

Mas mesmo o entorno de Lula estava contaminado pelos receios do pessimismo dos mercados, tanto que os plantonistas colocados de sobreaviso para a eventual sucessão de Meirelles haviam advertido ao governo que, para manter as rédeas, teriam de assumir dando um tranco na Selic para afastar suspeitas de heterodoxia.
Selic largou no susto
Meirelles ficou, uma vez afastada pelo PMDB a ideia de substituir o deputado Michel Temer como candidato a vice-presidente na chapa de Dilma Rousseff, como Lula queria, mas já estava consolidada, na praça, a expectativa de inflação puxada pela pressão de consumo.

E não pela combinação de aumentos sazonais de preços e serviços, como tarifas de ônibus e matrículas e mensalidades escolares, com os efeitos dos temporais sobre a oferta de alimentos perecíveis. É discutível que a Selic pudesse continuar estacionada em 8,75%, mas se pode, e deve, questionar se a saída à base de dois aumentos sucessivos de 0,75 ponto de percentagem não tenha sido temerária.
Mas só impactará 2011
E o resultado? A variação do IPCA, sem que o aumento dos juros já esteja produzindo efeito para amainar a demanda, desacelerou em 12 meses de 4,84% em junho para 4,60%, roçando a meta para o ano.

Ao se abrir o índice entre preços livres (baseados no mercado) e os administrados (indexados a contrato ou definidos pelo governo, como eletricidade e gasolina), a reversão é mais visível. Em 12 meses, os primeiros recuaram para 3,95%. Os outros, para 4,9%.

Para a frente, espera-se fim da deflação dos alimentos, mas dentro do intervalo de variação normal ao longo do semestre. Na projeção agora corrente no mercado, a variação do IPCA no ano estará entre 5% e 5,5% — e mais próxima de 4,5% que de 5% até o fim de 2011. Se o novo governo começar pondo ordem e teto ao gasto público, o que é provável, a inflação murchará, e a Selic mais adiante.
Deficit é o novo foco
No quadro mais benigno para a inflação, as atenções se voltarão a outros dados críticos da economia: o câmbio e as contas externas. Se elas continuarem deficitárias, mesmo que abaixo de 3% do PIB no cenário do BC, o país acumulará desde 2008 perdas da ordem de US$ 217 bilhões em cinco anos. Ainda que o risco para financiar tais deficits seja baixo, é muita coisa, o que faz supor a continuidade da Selic em nível elevado por mais tempo, para balancear melhor a dinâmica do crescimento entre exportações e mercado interno.
Manipulação do modelo 
Os três momentos distintos da inflação em 2010 — que começou com aumentos de preços devolvidos em boa parte no meio do ano e agora voltando a uma trajetória de alta normal para o período, “mas nada surpreendente”, como avalia a consultoria LCA — deixam lições para o aprimoramento da política monetária. Uma delas é que não se deve fiar tanto em cenários baseados no comportamento de juros futuros.

Na teoria, trabalha-se com as melhores projeções derivadas do que se sabe da atividade econômica corrente. Na prática, as informações são influenciadas pelo mercado futuro de títulos. O grau de acerto tem superado as frustrações, mas não é isento de risco. Sem que o modelo incorpore o sentimento da economia real, será, sempre, mais subjetivo do que toda previsão já o é por princípio.

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