Nepotismo versus súmula
ANDRÉ RAMOS TAVARES
FOLHA DE SÃO PAULO - 03/08/10
A fragilidade ou debilidade prática de algumas súmulas indica que só deveriam surgir em entendimentos realmente consolidados do Supremo
Após editar a súmula vinculante (SV) nº 13, amplamente aplaudida pela sociedade, vedando a prática do nepotismo, o Supremo Tribunal Federal (STF) assiste à retomada do tema. No novo cenário, permanece a corte como protagonista principal, embora desta feita na posição paradoxal de detratora da súmula.
Em interpretação possível, porém gramaticalmente superficial, a SV 13 estaria a proibir toda e qualquer contratação de parentes até o terceiro grau para cargos em comissão ou de confiança, o que teria sido desprezado pela contratação de casal para cargos de confiança na presidência do STF.
O que o caso exibe ao público é, em realidade, a persistência do período de experimentação e ajustamento que um novo e tão diferenciado instituto vivencia. Não há culpados a serem apontados nem violação a ser alardeada.
A súmula vinculante resulta de construção brasileira (2004), inovadora, que permite ao STF editar enunciados com o objetivo de padronizar (vincular) as decisões, judiciais e administrativas, posteriores sobre o tema, em todo o país e para todos os cidadãos. É um imponente instrumento contra a fragmentação do direito.
Seria ingenuidade acreditar que um instituto desse calibre, inusitado na história brasileira, pudesse ser realizado integralmente sem percalços ou necessidade posterior de reestruturação.
O problema, agora, não está apenas no significado do nepotismo, mas, sobretudo, na consolidação do instituto da súmula vinculante; mazelas práticas da formatação atual foram reveladas e não sendo, como efetivamente não é, o caso de eliminação do instituto, um aprimoramento se impõe.
A fraqueza ou debilidade prática de algumas súmulas (poderíamos citar também o caso da súmula do uso das algemas) indica que só deveriam surgir nos entendimentos amplamente amadurecidos e realmente consolidados do STF.
Seria justo aguardar deste, doravante, que assumisse o caminho da edição de súmula em termos muito precisos e específicos, com referência a hipóteses mais nítidas e ampla fundamentação, diferenciando-a de normas extremamente abstratas, como são as leis.
Não se deve pensar na súmula como "carte blanche" para o STF expedir normas, nem deve o tribunal prestar-se ao papel de legislador, com todas as dificuldades que essa tormentosa atividade envolve.
Uma proposta viável é que seja usada mais intensamente para a defesa dos direitos humanos, cumprindo papel pedagógico na construção de rotinas e práticas administrativas sensíveis à cidadania.
Esta é, porém, opção política do STF. Portanto, a súmula a ser editada não pode ser ponto de partida de uma longa cadeia de discussões.
Isso vai de encontro à Constituição, deturpando o mecanismo. A súmula há de ser ponto de chegada, de uma longa jornada pelo aperfeiçoamento e unidade do direito, quando questões já amplamente debatidas e discutidas no seio do Judiciário encontram na súmula seu repositório natural.
Desde que determinada súmula seja o ponto inicial de sérias divergências, estará comprovada a precariedade de sua edição
. ANDRÉ RAMOS TAVARES, livre-docente em direito constitucional pela USP, é professor de direito constitucional da PUC-SP, diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais e autor da "Nova Lei da Súmula Vinculante" (3ª ed., GEN Editora).
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