Dois momentos
Miriam Leitão
O Globo - 07/07/2010
O ano teve dois momentos. O primeiro trimestre começou a todo vapor, no segundo houve uma desaceleração. A confiança dos empresários caiu nos meses de maio e junho em 15 de 22 países e as maiores quedas aconteceram fora da Europa. O Brasil cresceu menos no segundo trimestre. Bancos e consultorias começam a rever para baixo previsões de crescimento mundial.
A mudança no Brasil não foi acentuada. A economia continua crescendo, mas no mundo a alteração no ambiente econômico é mais evidente.
O crescimento do Brasil, que foi de 2,7% nos três primeiros meses do ano, comparado ao trimestre anterior, deve ficar em 1,5% no segundo trimestre, pelas contas do economista José Márcio Camargo, da Opus Gestão e Recursos. Há previsões de desaceleração mais forte.
— O cenário otimista do início do ano para a economia mundial não se confirmou, houve uma clara mudança de tendência ao longo do segundo trimestre.
Isso se percebe nas bolsas, nos índices de confiança dos empresários; em indicadores de atividade, como a produção industrial, no mercado imobiliário e na criação de empregos da economia americana — afirmou José Márcio Camargo.
Apesar de o segundo trimestre já ter acabado, os economistas falam dele no futuro porque os dados do PIB ainda vão demorar a sair.
A consultoria Tendências acredita em desaceleração mais forte do PIB brasileiro.
Acha que os dados vão mostrar um crescimento de apenas 0,4% no segundo trimestre.
O economista Bernando Wjuniski explica que os indicadores antecedentes de abril a junho não foram bons: a indústria recuou 0,7% em abril, ficou estável em maio e não há sinal de melhora em junho; o comércio varejista recuou 3% em abril.
— Podemos dizer que o PIB do primeiro trimestre foi um ponto fora da curva de alta, e o PIB do segundo trimestre será um ponto fora de curva de baixa. O crescimento do primeiro tri foi atípico, movido a incentivos fiscais e antecipação de consumo. Os juros estavam mais baixos e não havia expectativa clara de alta da Selic. No segundo tri, tivemos redução do consumo, num primeiro momento, e alta dos juros, num segundo, que embora não tenha efeito imediato, mexe com as expectativas dos empresários — explicou.
O economista Elson Teles, da Máxima Asset, prevê alta de 1% no segundo trimestre em relação ao primeiro. Sérgio Vale, da MB Associados, estima alta de 0,9%.
O economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, prevê três fatores para a desaceleração do comércio: fim dos incentivos fiscais; esgotamento do poder de compra dos consumidores; inflação alta no primeiro trimestre.
Mas a queda que ele vê é pequena. O comércio ainda vai mostrar um forte crescimento quando se comparar o segundo trimestre com o mesmo período do ano passado.
No mundo, o Bank of America refez os cálculos e agora prevê que a economia americana crescerá 3% este ano, ao invés de 3,2%; e 2,6% no ano que vem, no lugar de 3,3%. A mudança parece pequena, mas o clima virou entre o primeiro e o segundo trimestre.
Nas bolsas, o segundo trimestre foi vermelho. O Ibovespa depois de registrar o pico de alta no dia 8 de abril, aos 71.784 pontos, depois registrou queda de 15,1% até junho. No final de maio, chegou a fechar abaixo dos 60 mil pontos e ontem registrava 62 mil. Nos EUA, o índice Nasdaq acumulou queda de 17%; o S&P, 16%; e o Dow Jones, 13,5%.
O preço das commodities caiu. No ano, o cobre e o alumínio acumulam queda de 12%; o chumbo despenca 27%, o petróleo recua 9%.
Desde março, o índice CRB, que faz uma média dos preços das matérias-primas, acumula queda de 7%.
Nossa balança comercial não foi afetada porque está sendo sustentada por três produtos: minério de ferro, que teve aumento de 100% no início de abril; soja, que teve crescimento de 10 milhões de toneladas na produção; e petróleo, que também cresceu no volume exportado. Para o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, a dependência do saldo comercial em apenas três produtos deixa o país mais vulnerável.
— Essa redução geral nos preços das commodities deve começar a ser captada na balança a partir de agosto.
A soja já aparece com queda no ano de 1% e dá sinais de que está perdendo fôlego. O açúcar despenca 30% no ano. Frango e carne bovina estão estáveis, mas com tendência de queda diante de um cenário mundial mais fraco — afirmou.
Castro mantém a previsão de saldo de US$ 12 bilhões na balança comercial deste ano, mas está preocupado com o resultado do ano que vem. A crise tem diminuído as exportações chinesas para a Europa e isso diminui o apetite da China por matérias-primas.
Além disso, a reforma do sistema financeiro americano vai proibir os bancos de atuarem nos mercados de commodities, com isso, haverá menos dinheiro para sustentação dos preços.
— Não me surpreenderá se começarem a surgir projeções de déficit na balança comercial em 2011. Se as commodities caírem 10%, já teremos a balança comercial sem superávit no ano que vem — disse.
O Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco avalia que no balanço do primeiro semestre as incertezas em relação à economia mundial prevaleceram sobre as apostas de recuperação. O Bank of America diz que a desaceleração que começou em maio se prolongou pelo mês de junho.
O ano é de recuperação depois da queda de 2009, mas a trajetória da economia ainda é incerta, e 2010 pode trazer novas reviravoltas no mundo.
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