sexta-feira, julho 02, 2010

MÍRIAM LEITÃO

Nós e o mundo 
Miriam Leitão 

O Globo - 02/07/2010

A crise europeia não atinge o Brasil porque o comércio exterior brasileiro é uma parte pequena do PIB, portanto o canal de transmissão não é relevante.

Só afetará se houver uma crise financeira. É o que acha o economista Alexandre Schwartsman, do banco Santander. Para o economista Armando Castelar, o crescimento sustentado não está garantido por uma questão aritmética.

Entrevistei os dois ontem na Globonews sobre economia mundial e brasileira.

O mundo oscila com incertezas e quedas, enquanto isso o Brasil está com um crescimento forte. Ontem saiu um dado que parece ruim mas não assusta ninguém: a produção industrial zero em maio.

— Foi apenas uma pequena parada. A produção cresceu muito no primeiro trimestre. A expectativa é que a indústria continue bastante forte. O setor de bens de capital foi o que sofreu mais e agora tem uma recuperação mais forte, no ano deve fechar com alta de 20% em relação ao ano passado — explicou Armando Castelar.

Ele acha que essa desaceleração é bem vinda, até porque o crescimento da demanda doméstica no primeiro trimestre foi de 12%.

No mundo, o debate é se é hora de manter os estímulos econômicos ou cortar o déficit público. Alexandre acha que a questão essencial é o timing desse ajuste. Acha natural que se dê estímulos às economias ainda fracas, mas se houver um comprometimento com queda maior do déficit, a recuperação será mais fácil. Portanto, não há um conflito entre as duas fórmulas: — O país tem que se comprometer, criar as regras, para que o mercado saiba que num período de dois ou três anos o déficit será reduzido.

Fazendo isso, o país tem o melhor dos dois mundos, mantém o estímulo, mas fortalece a confiança dando um horizonte para a queda dos gastos. Alguns países como Grécia, Itália não têm a alternativa. Têm que cortar agora para evitar o pior. Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e em certa medida a França têm a opção de manter os estímulos agora, projetando cortes no futuro.

A economia mundial estava se recuperando, aí a Europa entrou em crise, e agora há sinais de desaceleração em outras economias. A dúvida é se estamos indo para um segundo mergulho. Armando Castelar acha que há sim esse risco: — O risco existe. A economia mundial tem um problema sério que é a falta de demanda privada, as famílias estão muito endividadas tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Isso não mudou.

Acho que o mundo vai crescer muito pouco, não apenas a Europa. Nos Estados Unidos, os dados imobiliários americanos mostram queda a partir de abril; a China e a Índia já estão com sinais de desaceleração. O que vem sustentando o crescimento mundial são os emergentes e até eles começam a ter sinais revisados para baixo. O cenário do novo mergulho não é o mais provável, mas há o risco.

Alexandre acha que o Brasil poderia ser afetado pelo canal do comércio, mas o fato de o Brasil importar e exportar pouco, 11% a 12% do PIB, reduz os riscos: — O risco de o país ser afetado aumentaria se houvesse uma crise financeira como aconteceu após a quebra da Lehman. Não é o cenário mais provável. Uma crise financeira afeta o crédito que atinge a demanda doméstica, que é importante para o crescimento brasileiro.

O Brasil está razoavelmente isolado disso.

Mesmo com o aumento do custo de se carregar dívida dos países europeus, que é o grande ativo dos bancos da Europa, Alexandre não acha que possa haver essa crise financeira. Ele acredita que só um evento traumático, como um calote de um dos países, é que poderia criar uma crise.

Armando acha que dificilmente a Grécia escapa de um calote. A torcida é para que seja uma reestruturação negociada da dívida, em vez de uma ruptura com os credores: — A Grécia acabará fazendo uma reestruturação da dívida que, na verdade, é um calote. Inevitável. Não deu um calote até agora porque tem déficit primário, ou seja, até para pagar as contas que não são juros ela precisa ser financiada.

Ela tem sido financiada porque os grandes detentores da dívida grega, além dos banco gregos, são os bancos franceses e alemães. Com uma divida que está indo para 150% do PIB, ela teria que gerar superávits de 6% a 7% só para pagar juros. É inviável.

A situação dos bancos europeus vai continuar ruim por muito tempo, porque os bancos são os que carregam as dívidas dos países.

Armando acha que o crescimento sustentando do Brasil não está garantido: — É uma questão aritmética.

Precisaria investir 23% do PIB para crescer 5,5%.

Está investindo 18%, com uma poupança de 16% e já tem déficit em conta corrente.

Para investir 23% com 16% de poupança, teria que ter um déficit externo de 7%.

O que é inviável. A literatura é clara sobre isso: é preciso aumentar a poupança do setor público, o que significa reduzir o gasto. Nós estamos fazendo o oposto: aumentando o gasto corrente.

Alexandre alerta também para o risco BNDES. O balanço do banco será de 12% a 13% do PIB e a contrapartida disso é uma expansão da dívida. Lembra que o governo está emprestando a um custo menor do que se financia. Com o aumento do volume dessas operações, o gasto aumenta. Ele diz que isso não é razoável.

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