Crise fiscal
Merval Pereira
O Globo - 02/07/2010
Seja quem for que ganhe a próxima eleição, vai ter que encarar uma crise fiscal, especialmente se o cenário internacional piorar como está acontecendo. Qual o país do mundo em que o PIB cresce 7%, a receita cresce mais que o dobro disso, cerca de 18%, e o governo consegue gastar ainda mais, pois a despesa do governo cresceu 20%?
Isso quer dizer que os gastos governamentais estão crescendo três vezes mais que o PIB. Notícia perigosa, sobretudo porque esses gastos não são de investimentos, que são benéficos e podem ser controlados no futuro em caso de necessidade.
Mas estamos subindo gastos permanentes, e a receita não crescerá sempre nessa velocidade para sustentar os gastos, embora a candidata oficial Dilma Rousseff baseie suas propostas de reformulação do sistema tributário, com redução da carga tributária, na premissa de que a receita continuará crescendo devido ao crescimento do PIB.
Neste ano, ainda por cima, a receita está crescendo sobre uma base muito deprimida pela crise e, sobretudo, porque no início do ano passado a Petrobras, que é a maior contribuinte de impostos do país, estava fazendo truques contábeis para pagar menos impostos.
Estão pagando este ano o dobro do que pagaram ano passado.
Segundo estudo do economista Felipe Salto, da Consultoria Tendências, com o aumento de gastos no governo Lula, a dívida total do setor público no país chegará ao maior patamar dos últimos dez anos.
Em dezembro deste ano, o endividamento chegará ao recorde de R$ 2,2 trilhões, correspondente a 64,4% do PIB. Em 2000, a dívida era de 52,7% do PIB.
A herança do governo Lula para o seu sucessor foi aumentada por “empréstimos” que o Tesouro vem realizando com o BNDES desde o ano passado, por meio da emissão de títulos públicos.
O governo está usando o que considera ser uma permissão para gastar dada aos governos nacionais pela crise financeira que se abateu sobre o mundo a partir de setembro do ano passado, com a quebra do banco Lehman Brothers nos Estados Unidos.
A irresponsabilidade com que o equilíbrio fiscal vem sendo tratado nos últimos tempos parece ter, por parte dos mercados financeiros, uma “licença especial”, na certeza de que o próximo governo tomará as providências necessárias.
Um número que passa a ser observado com atenção, mesmo que não afete as estatísticas fiscais, é o da dívida bruta. O Ministério da Fazenda está usando o que o mercado identifica como “um truque” para repassar recursos aos bancos públicos sem aumentar a dívida líquida, este, sim, um número que o mercado financeiro acompanha, especialmente sua relação com o PIB.
Desde junho de 2008, o volume de crédito do BNDES, que era insignificante para as contas públicas, subiu bastante, ficando em torno de 5% do PIB.
A dívida pública bruta passou para 66,5% do PIB, e deve chegar a mais de 70% em 2010 com os novos repasses.
Países que têm investment grade como o Brasil possuem uma dívida bruta em torno de 40% do PIB, embora os Estados Unidos já tenham chegado aos 80%, devido às medidas que tomou por conta da crise.
Em consequência, a dívida líquida do setor público, que representava 61% do PIB em 2002, passou a 48,2% em 2005, e fechou o ano de 2009 em 42,8%.
Segundo levantamento do economista José Roberto Afonso, entre 2002 e 2009 as receitas do governo federal cresceram significativamente.
Passaram de 21,6% do PIB para 23,5% do PIB em 2009 — apesar do recuo verificado no último ano sob forte impacto da crise financeira global.
Ou seja, hoje o governo federal arrecada 1,9 pontos do PIB a mais do que arrecadava em 2009.
As despesas do governo aumentaram mais do que a receita. Em 2002, o governo federal gastava 19,5% do PIB, passando a gastar 22,3% em 2009.
Aumento de 2,76 pontos do PIB entre 2002 e 2009, que resultou num encolhimento do superávit primário do governo central (governo federal + Banco Central) de 0,9 ponto do PIB: em 2002, a economia do governo central, excluído o gasto com juros, foi de 2,17%, e caiu para apenas 1,25% em 2009.
A trajetória de alta das despesas é o fator responsável pelo déficit primário registrado pelo governo em maio, também na análise do economista da Tendências Consultoria Felipe Salto.
Segundo ele, o setor público não deve cumprir a meta integral de superávit primário de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano.
Na sua avaliação, o esforço fiscal deve alcançar 2,63% do PIB. Para não descumprir a Lei de Diretrizes Orçamentárias, o governo deve abater da meta cerca de 0,7% do PIB os gastos em investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
A CPI da Câmara dos Vereadores do Rio sobre a Merenda Escolar, cujo relatório final sugeria irregularidades nas licitações quando o candidato a vicepresidente na chapa de José Serra, deputado federal Indio da Costa, era secretário de Administração municipal, foi arquivada em 2008 por decisão do Ministério Público, que “não vislumbrou qualquer irregularidade em razão da empresa Milano ter vencido 75% do total do objeto licitado”. O Ministério Público acatou análise do Tribunal de Contas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário