O fator Palocci
Merval Pereira
O Globo - 29/06/2010
Uma das maiores incógnitas dessa campanha é qual será a função do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci num eventual governo Dilma Rousseff.
Colocado como um dos coordenadores da campanha oficial pelo próprio presidente Lula, Palocci vem assumindo importância cada vez maior como avalista de posições ortodoxas na economia, especialmente no contato com empresários.
Palocci vai além de tentar convencer os indecisos, ou mesmo os que tendem a votar em Serra, dos compromissos de Dilma com o tripé que sustenta a política econômica que vem desde o segundo governo de Fernando Henrique: câmbio flutuante, equilíbrio fiscal (superávit primário) e metas de inflação, com um Banco Central operacionalmente independente.
O ex-ministro, com frequência, alerta os empresários para o que seria o “risco Serra” que estaria embutido no que classifica de visão intervencionista do candidato tucano — que não se cansa de insinuar que, em um governo seu, o Banco Central não terá uma autonomia tão grande quanto vem tendo nos últimos anos.
Também as críticas de Serra quanto ao câmbio, que agradam muito aos exportadores que sofrem com a valorização do real, levam os governistas a apontarem riscos de uma intervenção governamental no câmbio.
Em ambos os casos, Serra insiste em que não haverá intervenção de seu governo para criar situações artificiais, mas uma política econômica harmônica que levará a uma situação de equilíbrio que não obrigará o governo a pagar altos juros para o investidor.
Assim como o governo usa Palocci para sinalizar sua postura, Serra tem usado o nome do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga como exemplo de economista que gostaria de ter em sua equipe.
Essa é uma discussão técnica que não dá um voto na maioria da população, mas que é fundamental para um tipo de eleitor formador de opinião e a classe média, que sempre rejeitaram posturas heterodoxas petistas, a ponto de terem obrigado Lula, em 2002, a assinar a “Carta aos Brasileiros”, assumindo o compromisso de manter a política econômica de Fernando Henrique.
Por outro lado, o candidato tucano, José Serra, tem fama de ser um grande gestor público, especialista em manter o equilíbrio fiscal com ganho de produtividade e corte do gasto público.
A decisão de Lula de colar Palocci na candidatura de Dilma se deveu justamente ao temor de que esse público rejeitasse a candidatura de Dilma por ela ter se colocado como o “contraponto” a Palocci quando este estava no Ministério da Fazenda e ela, no Gabinete Civil.
A famosa discussão entre os dois — quando Dilma, em uma entrevista ao “Estadão” em 2005, classificou de “rudimentar” a proposta que ele e o ministro Paulo Bernardo, do Planejamento, faziam de limitar a longo prazo o crescimento do gasto público ao crescimento do PIB — marcoua como defensora da gastança governamental: “Despesa corrente é vida”, disse Dilma na ocasião.
O papel do Estado em um futuro governo Dilma também é uma definição impor tante, e tanto ela quanto o governo Lula têm sido criticados pela visão de que, com a crise financeira de 2008, o Estado tem que ter necessariamente seu papel aumentado.
A influente revista inglesa “The Economist” critica o “capitalismo de Estado” do governo Lula, reforçado na segunda metade de seu segundo mandato, e atribui a mudança à predominância da visão da ministra Dilma Rousseff com a saída de Palocci.
Como aluna disciplinada, a candidata oficial vem repetindo em palestras para empresários, especialmente estrangeiros, o que o ex-ministro Antonio Palocci lhe orienta.
Ela ainda não chegou ao ponto de dizer, como Palocci sempre disse em conversas informais, que seu antecessor na Fazenda, Pedro Malan, merecia uma estátua por duas medidas adotadas: a renegociação das dívidas dos estados e a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Mas, ao contrário de seu discurso para o público interno, quando insiste na tese da “herança maldita” deixada pelos oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso, no exterior ela é só elogios para a política econômica.
Recentemente, na festa que homenageou como Homem do Ano o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles — outro que Lula tentou colar em Dilma como seu vice — , ela atribuiu o sucesso econômico do país aos últimos 20 anos de continuidade das políticas.
E não é apenas em questões de macroeconomia que ela diz o que o interlocutor quer ouvir. Também com relação a questões políticas delicadas, que têm repercussão na economia, como a ação do MST, ela se desdiz em público.
Recentemente, em Uberlândia, Minas Gerais, ela se colocou contra “qualquer ilegalidade cometida pelo Movimento dos Sem Terra ou qualquer outro movimento”.
E foi específica, referindose a problemas que os fazendeiros da região, importante para o agronegócio, enfrentam: “Invasão de terra, invasão de campo de pesquisa, invasão de prédio público é ilegalidade”.
Mas não se passaram 24 horas e lá estava Dilma com um chapéu do MST na cabeça, fazendo um discurso para os “companheiros” em Sergipe.
A candidata oficial, portanto, vem sendo reconstruída em público não apenas fisicamente, mas, sobretudo, em termos ideológicos.
O economista da PUC do Rio Rogério Werneck, em artigo na página de Opinião do GLOBO, comparou o trabalho de transformação de Dilma ao do professor Henry Higgins na célebre peça “Pigmaleão”, de Bernard Shaw, tentando transformar a florista Eliza Doolittle em uma grande dama. E duvidou que Palocci obtenha êxito.
A pergunta que não quer calar é qual a verdadeira Dilma que eventualmente assumirá a Presidência da República: a candidata-laranja de Lula que segue a orientação de Palocci, ou a integrante da ala radical do PT, intervencionista e estatizante?
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