Fogueira das vaidades
Merval Pereira
O Globo - 23/06/2010
O portal do Ministério do Planejamento que foi retirado do ar um dia após o seu lançamento, na semana passada, porque ministros reclamaram das críticas sobre suas respectivas áreas, não é, como o ministro Paulo Bernardo tentou classificar, apenas um portal “de debates”, com opiniões de técnicos que não podem ser atribuídas ao pensamento oficial do governo ou do próprio Ministério do Planejamento.
Vários ministros foram consultados sobre seu conteúdo, e ele foi revisado por membros do primeiro escalão do Ministério do Planejamento.
A divulgação de parte de seu conteúdo crítico pelo jornal “Valor Econômico” desencadeou uma crise interna no governo.
O portal fazia diversas críticas a políticas do governo, desde a reforma agrária, que, segundo a avaliação, não alterou a estrutura fundiária do país nem assegurou a assistência aos assentados, sendo que agricultores de menor renda estariam dependentes do Bolsa Família, até o biodiesel, cuja política de produção não seria economicamente sustentável.
O portal fez também uma avaliação da educação, que teria tido poucos avanços no que se refere a acesso à escola e qualidade do ensino, que continua baixa, entre outros pontos negativos.
Até mesmo os planos do Ministério da Defesa, como a indústria bélica, são considerados inviáveis, embora importantes, por falta de planejamento e recursos.
Eu mesmo, em um comentário para a CBN com o Carlos Alberto Sardenberg, aventei a possibilidade de o portal ser obra de “um burocrata bem intencionado que havia esquecido de conversar com os políticos” do ministério.
Foi quase assim, mas há detalhes que tornam o episódio mais interessante politicamente.
Acontece que o trabalho de criação do Portal do Planejamento foi coordenado pelo secretário de Planejamento e Investimentos Estratégicos (SPI), Afonso Oliveira de Almeida, que não é apenas um simples burocrata, mas um dos mais destacados homens de confiança de Dilma Rousseff, colocado no Ministério do Planejamento para acompanhar as obras do PAC.
Segundo informações de dentro do ministério, ainda que o dirigente seja um funcionário de carreira, é um antigo militante petista que já foi dirigente do partido no Distrito Federal, e ocupou uma diretoria no Banco BRB, o banco regional.
Como representante destacado do que se acusa ser um aparelhamento da máquina do Estado pelo esquema petista, ele costuma defender veementemente a tese de que “o Governo não deve prescindir de uma burocracia partidária”.
O trabalho foi integralmente revisado (ou censurado, como alguns comentaram) pela Diretoria do SPI e pelo secretário pessoalmente.
Houve relatos em reuniões internas de inúmeros fins de semana gastos “lendo, relendo e corrigindo” os documentos.
Muitos técnicos que participaram da versão original ficaram indignados com os cortes.
O próprio secretário Afonso Oliveira de Almeida se gabava de ter submetido alguns textos a ministros, tendo citado nominalmente em uma reunião o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE).
A Direção do SPI assumiu internamente toda a responsabilidade pela retirada do portal do ar, provavelmente para sustentar a tese de que o ministro Paulo Bernardo não sabia de nada.
Diversos técnicos se manifestaram frustrados pela retirada do portal do ar e pediram seu imediato restabelecimento, pois o Ministério do Planejamento estaria apto a defender seu conteúdo.
A decisão de lançar o portal neste momento delicado da vida política é atribuída a um arroubo de vaidade do secretário Afonso Oliveira de Almeida, que gostaria de se promover e assim se habilitar a uma posição de maior destaque num eventual governo Dilma, inclusive com as críticas a certos setores do governo.
Apesar de ter havido diversos debates quanto ao risco político da medida, ele insistiu na divulgação e convenceu o ministro Paulo Bernardo da sua importância.
Segundo relatos, Afonso Oliveira de Almeida tem feito vários desafetos no governo, protegido por sua proximidade com a candidata oficial Dilma Rousseff.
Recusa-se a trabalhar em parceria com os demais ministérios, buscando sempre a autossuficiência. É também acusado de perseguições internas contra pessoas e de iniciativas identificadas como herança do governo anterior.
Havia uma confiança do secretário de que as revisões houvessem tornado o documento informativo, mas não tão crítico a ponto de comprometer o governo.
E muitos dos problemas apontados vêm ainda de governos anteriores, o que na sua visão diluiria a responsabilidade do atual governo.
O secretário mostrava-se também “indignado”, e apressado para lançar o produto, pois o Ipea, outro órgão do Ministério do Planejamento, “pode falar besteiras em suas publicações recentes e a SPI ainda não pôde publicar seu produto, com visões corretas sobre questões importantes”.
Essa disputa de egos, uma verdadeira “fogueira das vaidades”, parece estar disseminada pela Esplanada dos Ministérios, uma tendência de ano eleitoral em que os integrantes do segundo escalão ambicionam uma posição de destaque maior num futuro governo Dilma Rousseff
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