Inflação enxuta
Antonio Machado
CORREIO BRAZILIENSE - 23/06/10
Como previsto e talvez também pela mão dura do BC, inflação entra em dieta e parece comportada
A trajetória da inflação está mais previsível que o desempenho de boa parte das seleções coroadas na Copa da África. Na passagem de 2009 para este ano, previa-se que sairia obesa do réveillon, como gente normal, depois de já ter ganhado peso com o fim da recessão — e voltaria a desinchar, mas sem voltar a pesar 4,5%, a variação anual estabelecida como saudável pelo regime de metas do governo.
Até agora, esse roteiro tem sido cumprido. Se, em agosto de 2009 o IPCA, o índice de preços ao consumidor monitorado pelo IBGE como medida oficial da inflação, aumentou no mês “só” 0,15% — uma das menores variações desde o tombo da economia global em setembro de 2008 —, depois de janeiro o indicador mostrou a gula da economia.
O IPCA engordou 0,75% sobre dezembro e mais 0,78% em fevereiro, ambos os maiores aumentos num mês desde a eclosão da crise — sinal para o Banco Central de que a recessão ficara para trás e começava o tempo de refrear o consumo levado para casa pelo brasileiro, já que não tem jurisdição sobre a comilança fiscal do governo.
O BC aumentou a dose da Selic de 8,75% para 9,50% no fim de abril, depois de recolher quase R$ 100 bilhões dos depósitos da banca que havia liberado em 2008, no auge da crise. Voltou a puxar os juros interbancários duas semanas atrás, para 10,25%, e a expectativa é que continue apertando o torniquete sobre a demanda.
E a inflação? Como previsto, encolheu depois do repique sazonal. Na medida de meio do mês, o chamado IPCA-15 de junho cresceu 0,19% sobre a mesma base de maio, quando exibira acréscimo de 0,63%.
Em 12 meses, a variação do IPCA-15 caiu de 5,26% até maio para 5,06%. De seus nove componentes, só dois tiveram em junho aumento superior ao de maio (artigos de residência e despesas pessoais) e três exibiram deflação (alimentação, transportes e comunicações).
Pressão só na cabeça
Ainda não foi dessa vez que aconteceu a temida pressão de demanda sobre os preços. Já há economista que a põe em dúvida. Menos clara é a influência do aumento dos juros, já que o seu efeito sobre a inflação não é imediato. Talvez pela expectativa. A credibilidade do BC deveria bastar para dissuadir movimentos inflacionistas nas empresas, normalmente preventivos ou por puro oportunismo.
O Departamento Econômico do Bradesco acha cedo para descartar os riscos de demanda febril. A avaliação é que a distensão do IPCA já estava prevista, devido a fatores pontuais, e as medidas de núcleo da inflação, que exclui as variações de preços mais voláteis, não desinflaram tanto assim. Por tal conceito, os preços dos serviços aumentaram no IPCA-15 de junho 6,87% em 12 meses. A ver.
Parto do crescimento
A verdade é que, no Brasil, a inflação, tratada com a vitamina da indexação, que se mantém para um terço do IPCA, é sempre cheinha.
Depois das festas dos reajustes de ônibus, de escolas e de alimentação, pressionada pelos temporais de verão, eventos típicos de início de ano, a cintura do IPCA sempre diminui. A dúvida é quanto diminui, quando a demanda está em alta, puxada pela renda, o emprego e mais os gastos públicos em ano eleitoral e o ciclo de investimentos.
Tal ambiente é novo e justifica a cautela do BC, mas não o excesso, se o pior não chega. As contas externas, cujos deficits expressam o consumo transbordando a capacidade da oferta interna, também não explodiram. Em 12 meses até maio o deficit chegou a 1,9% do PIB, financiado com folga pelas entradas de capitais. Enfim: o parto do crescimento pode não ser indolor, mas não tem de ser algo ruim.
Análises viciadas
Os receios sobre a evolução da economia são procedentes, mas boa parte nada tem a ver com a trajetória dos indicadores e, sim, com suspeitas políticas e com a percepção de que a qualidade do gasto público, mais até que o seu excesso, não deixa espaço para elogios rasgados. Quem o faz é o investidor externo. Ele não está nem aí para a produtividade do gasto com saúde ou educação, por exemplo.
Só lhes importa o resultado. Não por acaso, estão mais otimistas que os analistas brasileiros. E o empresariado? Pragmático, não toma nota da discussão: aproveita o momento, filtra o pessimismo da influência eleitoral e reclama do que julga errado, sobretudo na microeconomia, tipo burocracia, preconceitos etc. Melhor assim.
Infraero informa
A Infraero informa, a respeito das duas colunas sobre o caos dos aeroportos, que não é bem assim. Os 67 aeroportos que administra, diz carta da superintende de Marketing e Comunicação da empresa, Léa Cavallero, “têm recebido constantes investimentos”.
Entre 2003 e 2009, afirma, a Infraero aplicou R$ 1,91 bilhão na “reforma e ampliação de novos terminais de passageiros”, como os de Santos Dumont, Congonhas, Boa Vista e Cruzeiro do Sul. Diz que, de 2011 a 2014, serão aplicados R$ 6,48 bilhões em 23 aeroportos, inclusive os “estratégicos” para as cidades-sede da Copa de 2014.
Pois é. Vá dizer isso aos passageiros. Se estivesse tudo legal, a Anac não teria cortado voos. Estudo do Ipea, órgão do governo, não advertiria que há demanda reprimida e que os problemas deverão se acentuar. O BNDES, enfim, não teria chamado a consultoria McKinsey para avaliar a situação dos aeroportos. Os estudos são públicos. Nenhum manifesta tranquilidade com o cenário. Nele, a Infraero é parte do problema, não a solução, que só depende do governo.
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