Período eleitoral
Merval Pereira
O GLOBO - 17/06/10
Em tempo de eleições, não é permitido aos candidatos ter opinião sobre temas delicados, sejam eles a atuação da seleção brasileira ou o aumento dos aposentados. Ou melhor, só é possível ter opinião quando ela não afeta o interesse de um grupo fundamental de eleitores, como no caso dos aposentados que ganham mais de um salário mínimo, que tiveram um aumento acima da inflação
Por isso, não se ouviu de nenhum dos candidatos, e nem mesmo do próprio presidente Lula, uma crítica que fosse à atuação pífia da seleção brasileira em sua estreia na Copa do Mundo da África do Sul. Por puro receio de ser taxado de pessimista, de antipatriota.
Vai que a seleção melhora, o que dirá o torcedor comum do candidato que a criticou no primeiro jogo? É uma situação paradoxal essa: é certo que a maioria dos torcedores não gostou do primeiro jogo, e isso deveria permitir que também os políticos criticassem a seleção.
Mas não há quem queira se arriscar. Torcer virou sinônimo de ser patriota, e junto com o futebol carrancudo e sem brilho da era Dunga foi-se também a graça de criticar por criticar, de falar mal dos jogadores, de discordar das opções táticas do treinador.
Ninguém pode pedir Ganso no lugar de Josué ou Neymar em vez de Grafitte, sem correr o risco de ser apontado como um portador do “complexo de vira-latas”, da mesma maneira que os críticos da atuação do governo brasileiro no caso do acordo nuclear com o Irã são acusados de antipatriotismo.
Não foi à toa que os candidatos, sem exceção, limitaramse a demonstrar confiança na seleção de Dunga e a aceitar como verdadeiras as desculpas oficiais para o péssimo desempenho da seleção contra a fraquíssima Coreia do Norte: ansiedade, nervosismo da estreia.
Dilma, diretamente de Paris, toda fantasiada de torcedora verde-amarela, Serra numa churrascaria do Rio ao lado da presidente do Flamengo, uma vereadora tucana, e até Marina de um hotel em São Paulo, nenhum deles se atreveu a fazer uma crítica ao time.
Da mesma maneira, os que falaram foram favoráveis à decisão do presidente Lula de sancionar o aumento dos aposentados e vetar o fim do fator previdenciário.
Serra preferiu o silêncio.
Ora, todos os candidatos defendem uma reforma da Previdência que equilibre as contas, mas nenhum é capaz de explicitar que reforma seria essa, na certeza de que as mudanças que necessitam ser feitas trarão mais dissabores do que bondades.
Portanto, a discussão séria de um problema que afeta o futuro do país fica para quando o candidato for eleito. E, mesmo assim, dependendo da situação.
O presidente Lula, que aprovou a duras penas no início de seu governo uma parte da reforma da Previdência, nunca mais a regulamentou, o que significa que na prática ela não existe.
Não quis correr o risco de perder a enorme popularidade.
O desagradável disso tudo é ver como a incoerência revelada não constrange ninguém.
O líder do governo na Câmara, Cândido Vacarezza, esbravejou contra a “irresponsabilidade eleitoral” de seus colegas logo após a aprovação, certo de que o presidente Lula vetaria o aumento, como a área econômica do governo pedia.
Quando o presidente Lula espertamente sancionou o projeto, recebendo todos os louros pelo aumento, Vaccarezza deu o dito por não dito.
Também o presidente Lula bravateou no primeiro momento que vetaria qualquer proposta que desequilibrasse o Orçamento, mesmo em tempo de eleições.
Mobilizou seus ministros econômicos para anunciar os perigos de um aumento real nessa dimensão para os aposentados que ganham mais de um salário mínimo, para depois desautorizá-los em público e aparecer como herói dos idosos.
Uma manobra política perfeita, que certamente renderá votos para sua candidata oficial.
A direção do Partido Verde anda satisfeita com os resultados obtidos até agora pela candidatura de Marina Silva à Presidência, e vem procurando tirar o maior proveito das seguidas entrevistas que ela está dando neste momento da campanha.
Para o presidente do PV do Rio, Alfredo Sirkis, o simples fato de ela estar com 10% a 12%, quando em outubro do ano passado estava com 3%, já indica uma mobilização social em curso.
Na avaliação da direção do partido, as campanhas cada vez mais se concentram nas últimas três semanas do processo, e as novas mídias têm jogado um papel crescente, embora não se possa ainda afirmar que poderá ser decisivo.
Sirkis lembra que em 2008, na campanha para a prefeitura do Rio, a um mês das eleições, o candidato Fernando Gabeira ainda estava em quarto lugar, com menos de 10%, e acabou perdendo no segundo turno por pequena diferença para o atual prefeito, Eduardo Paes.
Sirkis também não crê que a ideia de governar com o PT e o PSDB seja necessariamente utópica, como classifiquei na coluna de ontem.
No raciocínio de Sirkis, esses partidos social-democratas, cada um à sua maneira, não se juntariam em um governo comandado por um ou outro, mas Marina poderia promover esse “realinhamento histórico” com sua mediação, criando uma alternativa de um governo programático à rendição ao PMDB ou ao DEM.
Para fazer recuar o fisiologismo, o clientelismo e o assistencialismo da política brasileira, cada vez mais dependente dos “centros assistenciais”, é preciso mudar o sistema eleitoral para o voto proporcional por lista ou o distrital misto, defende Sirkis.
Atualmente, diz ele, os três partidos que lançaram candidatos à Presidência (PT, PSDB e PV) são os que ainda possuem alguma referência programática, e não é absurdo se pensar que um dia possam governar juntos.
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