sábado, maio 22, 2010

RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA
RUTH DE AQUINO
O admirável mundo novo da vida artificial
Se fizéssemos seres humanos melhores, não haveria bombas atômicas, nem fanáticos, nem corruptos
RUTH DE AQUINO
Revista Época
RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br
Foi criado o embrião da vida artificial. O que isso significa para nossos netos não sabemos – e nem os cientistas conseguem prever com exatidão. Eu me senti numa fábula futurista ao saber que um computador gerou a primeira célula viva sintética, em confraternização entre bactérias e micróbios. É possível entender o alcance científico e filosófico de algo que desafia a fé cega e abre horizontes de cura. Mas meu primeiro impulso foi pensar se poderemos enfim fabricar seres humanos melhores do que somos.
Não é preciso recorrer à história recente para saber de que crueldades somos capazes. Uma delas, o Holocausto, que matou 6 milhões de judeus, é negada pelo mais recente amigo do Brasil de Lula, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Se o presidente brasileiro queria deixar uma imagem indelével de seu último ano de mandato, será o quadro dos dois líderes sorrindo com suas respectivas bandeiras ao fundo. Como legenda, o agradecimento comovido de Ahmadinejad a Lula pela colaboração entre os dois países, “para estabelecimento de uma nova ordem mundial, baseada em valores humanos e justiça”.
No admirável mundo novo, se pudéssemos programar seres humanos melhores, não existiria um líder fanático que prende cineastas e executa opositores, segrega homossexuais, cobre e subjuga suas mulheres. Não existiriam homens bombas, mulheres bombas ou crianças bombas. Grupos islâmicos não pagariam a pais e mães para transformar seus filhos em mártires.
Não haveria bombas. Não existiriam ministros tão ingênuos como nosso Celso Amorim, que disse não ver nenhum sinal de que o Irã pretenda fabricar a bomba. No mundo novo, programado para perpetuar a existência humana, as grandes potências tampouco teriam bombas atômicas. Porque sua simples existência pressupõe a ameaça de uma guerra nuclear. Se armas de extermínio são um perigo maior nas mãos de aiatolás e seus prepostos, elas não se tornam instrumentos de paz ou dissuasão de conflitos no mundo democrático. É possível chamar de democrata o ex-presidente americano George W. Bush, que usou uma mentira para invadir outro país? Seriam democratas dois dos atuais companheiros permanentes de Barack Obama no Conselho de Segurança da ONU, Rússia e China? Não.
Se fizéssemos seres humanos melhores, não haveria 
bombas atômicas, nem fanáticos, nem corruptos
Se pudéssemos fabricar líderes melhores no admirável mundo novo, um dos primeiros vícios a eliminar em laboratório deveria ser a megalomania. Acusa-se o geneticista Craig Venter de brincar de Deus. Quantos presidentes decidem fazer o mesmo e se atropelam nas nuvens da ambição pessoal?
No admirável mundo novo, não teríamos massas de analfabetos e sem-teto. Nem crianças viciadas em crack. Mães não jogariam recém-nascidos no lixo. Procuradoras da Justiça não espancariam bebês adotados. Pais e madrastas não jogariam filhos da varanda de casa. Maridos não jogariam no canal uma mala com o corpo da ex-mulher. Vizinhos não se esfaqueariam. Jovens não seriam torturados por brincar com o cavalo de um carroceiro. Meninas não seriam estupradas em celas de homens. Policiais militares não matariam motoboys a pancadas. Imagens de santas não seriam recheadas de drogas.
No admirável mundo novo, um presidente da República não deixaria uma dívida recorde de R$ 2,2 trilhões – ou 64,4% do PIB – para o sucessor. Os cidadãos honestos de países em desenvolvimento não trabalhariam 148 dias por ano apenas para pagar impostos. O brasileiro não pagaria pelos mesmos produtos mais que o europeu e o americano – apenas para saciar a fome de governos que não se contentam com seus recordes na arrecadação 
Os políticos seriam honestos e não encheriam de suborno suas cuecas e meias. Não pagariam por votos, não usariam favelados como massa de manobra à custa de centenas de vidas. Candidatos seriam obrigados a ter ficha limpa (será que acontece em 2010?). Os políticos intelectuais também deveriam ser coerentes com suas ideias e seu passado em vez de fazer alianças oportunistas, tornando adversários os seus companheiros de luta.
Se já existe vida artificial, temos o direito de sonhar.

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