Como se proteger da mídia
MAURO CHAVES
O Estado de S.Paulo
1. Se surgir reportagem pesada a seu respeito, não titubeie: envie indignada "nota oficial" desmentindo todas as acusações que lhe são assacadas, atribuindo-as a abjetos interesses de seus adversários políticos. Enfatize que se trata de matéria "requentada", que já saiu na mídia - pois a idade do escândalo tem efeito atenuante e confere-lhe uma certa leniência preferencial. Mais importante do que tudo, no entanto, será você tirar férias imediatamente e, se possível, com a família. Vá para lugar não sabido, fique por lá um tempo. Verá que seu escândalo minguará nas páginas dos jornais e nas imagens dos telejornais com rapidez muito maior do que você supunha, cedendo espaço a outros mais fresquinhos.
2. Jamais perca a oportunidade de tirar o melhor proveito da extrema generosidade com que o nosso Judiciário costuma conceder o segredo de Justiça nos processos. Ele surgiu em nossa legislação processual e no Direito de Família, especialmente, para proteger os filhos menores em separações litigiosas ou preservar a reputação das famílias quando conflitos internos se transformam em demandas judiciais. Só que esse sigilo tem servido para esconder da sociedade as maiores bandalheiras praticadas por pessoas públicas. O sigilo sub judice virou um lacre de proteção contra o assédio mexeriqueiro da opinião pública, um poderoso insulfilm ético, capaz de tornar as falcatruas e maracutaias indevassáveis para a mídia.
3. Se um filho seu estiver envolvido em alguma bandalheira, mesmo que se refira a negócios da família - da qual você é o chefe e a figura púbica mais proeminente -, enfatize ao máximo (mesmo que isso seja óbvio) que seu filho é maior de idade, eleitor, vacinado (embora vacina não proteja um bandido de ser ele mesmo) e tudo o mais que revele o espírito de autonomia e independência que você conseguiu incutir em sua prole, a ponto de não tomar conhecimento algum de seus negócios. Sem dúvida, você será muito elogiado, por valorizar o direito inalienável de os cidadãos - como os de sua família - só agirem segundo os ditames da própria consciência (que você desconhece).
4. Transforme a acusação por um delito chocante na acusação por um delito palatável. Exemplo de êxito retumbante nesse tipo de operação diversionista tem sido a transformação do "mensalão" em "caixa 2". Outro exemplo é a transformação da fraude no uso do horário gratuito de um programa partidário - pondo-o a serviço exclusivo de uma candidatura - numa simples "antecipação de campanha eleitoral", reduzindo, assim, a irregularidade à mera desconsideração de prazos irrelevantes, de alguns dias a mais ou a menos.
5. A propósito, no campo eleitoral, procure sempre descumprir a lei numa área em que seu adversário também tenha condições de descumpri-la. Pois isso impedirá que seu adversário aja contra você - para não correr o risco de ser impedido de também aproveitar o ato ilegal que o beneficiou -, assim como dará à Justiça Eleitoral a oportunidade de ser justa e isenta, desrespeitando a lei por igual, em favor de ambas as partes concorrentes.
6. Se você tem condições de manipular um instituto de pesquisa de opinião, tome o cuidado de combinar - mesmo tacitamente - resultados aproximados com os de outro instituto, pois na mídia há uma estranha apreciação que costuma transformar mais de duas suspeições numa provável inocência.
7. Procure se proteger ao máximo contra câmeras e microfones clandestinos. Com a evolução tecnológica que temos tido nos aparelhos de captação de imagens e sons, sua privacidade deve tornar-se uma obsessão diuturna, qualquer que seja o lugar ou o espaço em que você se encontre. Não se iniba em exigir revistas periódicas em seus auxiliares mais diretos e confiáveis - até naqueles que de tais revistas se incumbirão. Hoje as câmeras e os microfones podem ter as formas mais insuspeitas e ser camufladas de maneiras inimagináveis.
8. Outra coisa fundamental para sua proteção perante a mídia é o preparo para explicações imediatas, diante de denúncias e flagrantes inesperados. Pense em contratar um bom assessor para explicações de irregularidades (AEI), que já terá formatado no notebook, prontos para liberação imediata - e sempre atualizados -, alguns textos explicativos de atos ou gestos que possam sugerir a prática de irregularidades. Com uma boa assessoria dessas você jamais diria, por exemplo, que a dinheirama em pacotes de cédulas exibidas com você nos telejornais seria destinada à comprar panetones para os pobres. Ou que você enfiou as cédulas de dinheiro em suas meias porque, por motivo de segurança, não usa pastas.
9. Para explicar a dinheirama mostrada na televisão um bom AEI já teria formatado, para exibir aos jornalistas, um "Projeto de Empreendedorismo para Moradores de Rua". Seria dito que o projeto ainda não tinha vindo a público para não estimular o aumento de moradores de rua. Mas a ideia consistiria em dar uma soma razoável de dinheiro a cada morador de rua e de alguma forma acompanhar suas iniciativas, seus investimentos ou gastos efetivados com o numerário recebido. Num eventual flagrante, a ideia poderia ser posta em prática no ato, convidando os jornalistas a acompanhar a distribuição de dinheiro vivo entre moradores de rua, pedintes e assemelhados.
10. Um bom AEI também teria formatado no notebook, para exibição a qualquer momento, o texto de um projeto de ensino, para crianças, sobre o sentido da expressão "pé-de-meia". E que melhor ilustração haveria, para o salutar hábito da poupança - que a expressão "pé-de-meia" indica -, do que a apresentação, ao vivo, de dinheiro colocado nas próprias meias?
JORNALISTA, ADVOGADO, ESCRITOR, ADMINISTRADOR DE EMPRESAS E PINTOR.
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