Brumas europeias
Miriam Leitão
O Globo - 12/05/2010
O pânico passou, a euforia passou, agora a Europa vive o cotidiano de uma crise que tem desdobramentos conhecidos e dilemas ainda não resolvidos.
É o que pensa o economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados. Na Inglaterra, conservadores e liberais-democratas viverão o desafio de conciliar posições divergentes para combater o déficit público no meio da recessão.
O início do governo conservador na Inglaterra representa mais um ponto de dúvida num continente que já tem sombras suficientes.
O primeiro-ministro, David Cameron, que assumiu ontem, tem um programa de corte de gastos duro e controvertido.
O vice-primeiroministro, Nick Clegg, dos liberaisdemocratas, tem divergências sérias com os seus, agora, companheiros de governo. Será um governo dividido tentando fazer um programa forte.
Os conservadores, fora do poder desde 1997, não têm agora uma bandeira clara como a da privatização de Margaret Thatcher. Eles se propõem a cortar à metade o déficit público, de 11,5% do PIB, através de medidas que podem não ter o efeito que se imagina. A maioria das medidas é cosmética, como corte de 5% e congelamento por cinco anos do salário dos ministros; congelamento do salário de funcionários; fim do crédito fiscal no imposto de famílias com renda acima de 50.000 libras; aumento da idade de aposentadoria; redução de benefícios sociais exceto para o terço mais pobre da população. Propõe também corte de impostos das empresas. Os liberais-democratas têm propostas diferentes, ainda que façam a mesma promessa de cortar gastos. Eles propuseram imposto sobre grandes propriedades e pagamento da dívida que os bancos fizeram junto ao Tesouro durante a crise.
Depois de cinco dias de um absoluto impasse, o cenário pela frente é de um governo híbrido no meio de uma crise econômica.
Na Zona do Euro, a boa notícia, segundo José Roberto Mendonça de Barros, é que o pânico da quintafeira foi quebrado na decisão do fim de semana de montar o pacote de quase US$ 1 trilhão.
— O que a Europa demonstrou é que vai continuar apostando alto no seu projeto de integração e que está disposta a construir saídas para a situação atual. De um lado, a ajuda à Grécia para que ela saia da crise, de outro, a construção de um mecanismo de financiamento para os outros países em dificuldade.
O fundo de C 440 bilhões vai formar uma Sociedade de Propósito Específico.
Essa SPE vai comprar títulos de países com spreads altos demais — disse.
José Roberto disse que quebrou-se a cadeia de transmissão do pânico, mas permanece o problema estrutural fiscal. Isso exigirá um longo tempo até ser digerido através de medidas que serão recessivas. Crises fiscais têm desdobramentos conhecidos. Mas, segundo o economista, há uma enorme incerteza sobre outro problema revelado pela atual turbulência na Europa.
— Ninguém tem a mais pálida ideia de como resolver o problema de países do mesmo sistema monetário que tenham índices de produtividade inteiramente diferentes.
A Alemanha teve forte aumento da produtividade nos últimos anos, enquanto Espanha e Portugal permanecem com baixa capacidade de competir. Como fazer para resolver esses desequilíbrio se todos os países têm a mesma moeda? Isso ninguém sabe resolver, nem eles. É esse dilema que surgiu na atual crise europeia — disse José Roberto.
Ele acha que a Alemanha, que já é mais competitiva que os outros países europeus, só terá a ganhar na atual crise.
— O euro está se desvalorizando e isso aumentará ainda mais a competitividade da Alemanha, que já é uma máquina de exportar.
Ela vai aumentar suas exportações, crescer ainda mais, e enfrentará seu déficit da forma mais fácil, que é crescendo. Mas o que vai acontecer no longo prazo com países que não são competitivos não está claro — afirmou.
O povo alemão não parece convencido de que a Alemanha vai ser a grande ganhadora. Eles se opõem ao pacote de ajuda e se sentem pagando uma conta que não é deles.
José Roberto disse que a demora da Europa em conseguir propor uma solução prova que não é apenas o Brasil que toma decisões quando não há outra saída: — O Brasil enfrentou a inflação quando estava em hiperinflação, só mudou o regime cambial após o colapso do câmbio, a Europa agora só se moveu quando estava próxima do abismo.
Mas ele acha que a Europa tomou boas decisões.
A euforia da segunda-feira foi para contrabalançar as perdas sucessivas e a crise de pânico da quinta-feira.
— Já se sabe que não haverá uma crise bancária na Europa. A dívida será financiada pelo Fundo e pela Sociedade de Propósito Específico. No caso da Grécia, pode haver mais adiante uma reestruturação organizada.
Mas a crise fiscal vai demorar a ser resolvida, e a forma de resolver o desequilíbrio de competitividade de países sob o mesmo sistema monetária continuará sendo um enigma. A Europa terá que resolver isso em algum momento.
As bolsas continuarão na sua volatilidade. Não é isso que impressiona, nem na alta, nem na queda. A dúvida é o futuro do projeto da Europa.
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