O rei de Pasárgada
Flávio Tavares
ZERO HORA - 23/05/10
O presidente Lula da Silva não sabia que aquilo era Pasárgada. Tampouco seu ministro de Relações Exteriores, ainda que saiba lidar com fantasias desde jovem, quando serviu à ditadura dirigindo a Embrafilme. Talvez nem o assessor presidencial Marco Aurélio Garcia, sério e estudioso, pois no fundo nenhum deles sabe em que se meteram nessa aventura em Pasárgada.
Aquele poema de Manuel Bandeira, no entanto, passou à realidade: “Vou-me embora para Pasárgada,/ lá sou amigo do rei./ Lá tenho a mulher que eu quero,/ na cama que escolherei”.
Pasárgada não foi núcleo da utopia nem imaginário da felicidade, mas capital do Império Persa, sucedânea do que hoje é Teerã. De lá, o rei mandava e desmandava num território imenso, maior que o Irã atual, até extinguir-se como capital por volta de 560 antes de Cristo. Faz tanto tempo, que ninguém recorda que o Irã de hoje é a Pérsia de ontem, minimizada mas real.
Existem acordos que nascem para serem o oposto do que dizem ser. Em 1938, Hitler assinou o Acordo de Munich, comprometendo-se a respeitar as fronteiras da Europa, e o primeiro-ministro britânico Chamberlain voltou a Londres orgulhoso, exibindo a firma do chanceler do Reich: “A paz na Europa está assegurada”, frisou. Para Hitler, no entanto, aquilo era apenas um pedaço de papel, daqueles que se rasgam e vão para o lixo, e todos sabem o que veio depois. Mais tarde, já iniciada a guerra, Hitler fez um pacto de não agressão com Stalin, firmado em Moscou pelos chanceleres Ribbentrop, da Alemanha, e Molotov, da União Soviética. No ano seguinte, de surpresa, Hitler invadiu a Rússia e a guerra tomou sua senda mais cruel e destrutiva.
Seria infantil profetizar que Mahmoud Ahmadinejad não cumprirá o acordo que assinou com os chefes de governo do Brasil e da Turquia. Mesmo se o cumprir, porém, persiste a possibilidade de o Irã enveredar rumo à bomba nuclear, pois o acordo não impede que os iranianos continuem os trabalhos de enriquecimento de urânio dentro do próprio país. O Irã transferirá à Turquia 1.200 quilos de urânio “enriquecido” a 3,5% (utilizável para gerar eletricidade) para receber, em troca, 120 quilos a 20%, destinados à medicina nuclear.
E o resto? Não há nenhum compromisso de Ahmadinejad quanto ao resto. E outra vez a Agência Internacional de Energia Atômica terá de voltar ao Irã com inspetores e o impasse continuará.
O estardalhaço com que o governo do Brasil festejou o acordo só engrandece os dotes de raposa de Ahmadinejad e o fortalece internamente, forjando a aparência de que o Irã não está só. Qual o interesse em prestigiar um regime fechado, atrasado, autoritário e truculento, onde as mulheres vivem submetidas a um ritual de quase-coisa na sociedade? Ou onde a fanática Guarda Revolucionária vigia a população inteira, crianças inclusive, e pode prender até por suspeita de ser suspeito??
Em 1982, a Argentina vivia sob sanguinária ditadura de direita e seu exército ocupou as ilhas Malvinas. Todos festejaram, até os presos políticos – combatia-se a imperialista Inglaterra, afinal. A Inglaterra reagiu, enviou a esquadra e os argentinos se renderam. A ditadura argentina desmoronou-se em seguida, consequência da rendição militar, e o país se redemocratizou. Se a Argentina houvesse ganho a guerra, a ditadura continuaria até hoje, militarmente em triunfo, mesmo com o horror dos 20 mil presos “desaparecidos”.
Por que não pensar nisso antes de louvar o novo rei de Pasárgada?
Aquele poema de Manuel Bandeira, no entanto, passou à realidade: “Vou-me embora para Pasárgada,/ lá sou amigo do rei./ Lá tenho a mulher que eu quero,/ na cama que escolherei”.
Pasárgada não foi núcleo da utopia nem imaginário da felicidade, mas capital do Império Persa, sucedânea do que hoje é Teerã. De lá, o rei mandava e desmandava num território imenso, maior que o Irã atual, até extinguir-se como capital por volta de 560 antes de Cristo. Faz tanto tempo, que ninguém recorda que o Irã de hoje é a Pérsia de ontem, minimizada mas real.
Existem acordos que nascem para serem o oposto do que dizem ser. Em 1938, Hitler assinou o Acordo de Munich, comprometendo-se a respeitar as fronteiras da Europa, e o primeiro-ministro britânico Chamberlain voltou a Londres orgulhoso, exibindo a firma do chanceler do Reich: “A paz na Europa está assegurada”, frisou. Para Hitler, no entanto, aquilo era apenas um pedaço de papel, daqueles que se rasgam e vão para o lixo, e todos sabem o que veio depois. Mais tarde, já iniciada a guerra, Hitler fez um pacto de não agressão com Stalin, firmado em Moscou pelos chanceleres Ribbentrop, da Alemanha, e Molotov, da União Soviética. No ano seguinte, de surpresa, Hitler invadiu a Rússia e a guerra tomou sua senda mais cruel e destrutiva.
Seria infantil profetizar que Mahmoud Ahmadinejad não cumprirá o acordo que assinou com os chefes de governo do Brasil e da Turquia. Mesmo se o cumprir, porém, persiste a possibilidade de o Irã enveredar rumo à bomba nuclear, pois o acordo não impede que os iranianos continuem os trabalhos de enriquecimento de urânio dentro do próprio país. O Irã transferirá à Turquia 1.200 quilos de urânio “enriquecido” a 3,5% (utilizável para gerar eletricidade) para receber, em troca, 120 quilos a 20%, destinados à medicina nuclear.
E o resto? Não há nenhum compromisso de Ahmadinejad quanto ao resto. E outra vez a Agência Internacional de Energia Atômica terá de voltar ao Irã com inspetores e o impasse continuará.
O estardalhaço com que o governo do Brasil festejou o acordo só engrandece os dotes de raposa de Ahmadinejad e o fortalece internamente, forjando a aparência de que o Irã não está só. Qual o interesse em prestigiar um regime fechado, atrasado, autoritário e truculento, onde as mulheres vivem submetidas a um ritual de quase-coisa na sociedade? Ou onde a fanática Guarda Revolucionária vigia a população inteira, crianças inclusive, e pode prender até por suspeita de ser suspeito??
Em 1982, a Argentina vivia sob sanguinária ditadura de direita e seu exército ocupou as ilhas Malvinas. Todos festejaram, até os presos políticos – combatia-se a imperialista Inglaterra, afinal. A Inglaterra reagiu, enviou a esquadra e os argentinos se renderam. A ditadura argentina desmoronou-se em seguida, consequência da rendição militar, e o país se redemocratizou. Se a Argentina houvesse ganho a guerra, a ditadura continuaria até hoje, militarmente em triunfo, mesmo com o horror dos 20 mil presos “desaparecidos”.
Por que não pensar nisso antes de louvar o novo rei de Pasárgada?
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