Tarde de conspiração
folha de são paulo - 13/03/10RIO DE JANEIRO - Do outro lado do pátio, eu podia ver Carlos Lacerda, com um prato na mão, deslocando-se de grupinho em grupinho, de empresários, escritores, jornalistas, e dizendo algo que, à distância, não era possível ouvir. Estávamos numa quinta perto de Lisboa, e o ano, 1973, vinha sendo sacudido por uma série de sismos internos no governo de Marcelo Caetano, o homem que sucedera o ditador Salazar, morto três anos antes.
Eram abalos políticos quase imperceptíveis para nós, brasileiros residentes em Portugal, e para 99% dos portugueses. Mas Lacerda estava vindo a Lisboa com uma frequência suspeita, quase todo mês. Eu sabia disso porque ele era amigo de pessoas na revista em que eu trabalhava e ia sempre à redação. E, quando Lacerda se mexia muito, algo estava para acontecer. Com seus direitos políticos cassados no Brasil pelos militares que ele ajudara a pôr no poder, dizia-se que pensava usar Portugal como trampolim para voltar à política.
Alguém dera um almoço em sua homenagem na tal quinta, e lá estava eu, de xereta. O homem não sossegava ao redor do pátio. A cada parada, era aquele bzzz bzzz bzzz no ouvido das pessoas -no mínimo, tramava uma alta conspiração. E começou a se aproximar do grupinho onde eu estava.
Por que estou me lembrando disso? Porque alguém me perguntou qual político eu gostaria de biografar e respondi na lata: Carlos Lacerda. Mas avisei logo que não iria fazer isso. Acho impossível escrever uma biografia de Lacerda em menos de cinco anos, e não pretendo mais passar tanto tempo casado com um biografado.
Lacerda se aproxima do meu grupo. Traz o prato na mão e os olhos meio de louco. Oba, vem aí uma fofoca das brabas! -pensei. Chega-se a nós e sussurra, com ar triunfante: "Essa dobradinha está genial!".
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