terça-feira, março 09, 2010

PAUL KRUGMAN


Um espelho irlandês


O Estado de S. Paulo - 09/03/2010
Todo mundo tem uma teoria sobre a crise financeira. Teorias que vão das absurdas às plausíveis - alegação que os democratas liberais de alguma maneira forçaram os bancos a emprestar para pessoas sem condições (mesmo com os republicanos no controle do Congresso) até a crença de que instrumentos financeiros exóticos é que fomentaram a confusão e a fraude. Mas o que sabemos de fato? Bem, de certa maneira, só a dimensão da crise foi útil, no mínimo, para a pesquisa. Podemos analisar aqueles países que evitaram o pior, como o Canadá, indagando o que eles fizeram certo - como limitar o endividamento, proteger os consumidores e, sobretudo, não se deixar levar por uma ideologia que nega qualquer necessidade de regulamentação. Podemos também estudar aqueles países cujas políticas e instituições financeiras pareciam muito diferentes das dos Estados Unidos, mas também foram atingidos, e tentar encontrar as causas comuns. Então, vamos falar da Irlanda.


Como destacaram os economistas irlandeses Gregory Connor, Thomas Flavin e Brian O" Kelly , num estudo por eles elaborado, "quase todos os aparentes fatores que provocaram a crise nos EUA estão ausentes no caso da Irlanda", e vice-versa. Mesmo assim, a maneira como a crise se formou na Irlanda foi muito semelhante: uma enorme bolha imobiliária - os preços subiram mais em Dublin do que em Los Angeles ou Miami - seguida de uma grande quebra de bancos, só contida por meio de um enorme pacote de socorro financeiro.


Então, o que temos em comum? Os autores do estudo sugerem quatro "causas profundas". Em primeiro lugar, houve uma exuberância irracional: em ambos os países os que compraram e os que financiaram estavam convencidos que os preços dos imóveis, embora nas alturas pelos padrões históricos, continuariam a subir.


Em segundo lugar, houve uma enorme entrada de dinheiro barato. No caso dos EUA, grande parte desse dinheiro barato veio da China; no caso da Irlanda, veio principalmente da zona do euro.


Em terceiro, os principais envolvidos tinham um incentivo para assumir riscos enormes porque, se fosse "cara" eles ganhariam, "coroa" seriam os outros que perderiam. Na Irlanda, o risco moral foi muito pessoal: "diretores de bancos sem caráter se aposentaram com suas grandes fortunas intactas". O que ocorreu também nos EUA.


Mas a semelhança mais surpreendente entre Irlanda e EUA foi a "imprudência regulatória": as pessoas encarregadas de manter os bancos seguros não fizeram seu trabalho. Na Irlanda, os órgãos reguladores fizeram vista grossa


Aqui isso também ocorreu, mas o maior problema foi a ideologia. Na verdade, os autores do estudo interpretaram esse aspecto erroneamente, dando ênfase à maneira como os políticos dos EUA celebravam o ideal da casa própria; de fato, eles fizeram muitos discursos nesse sentido, mas isso não surtiu muito efeito sobre os incentivos oferecidos pelas instituições de empréstimo.


O que realmente teve importância foi o fundamentalismo do livre mercado. Foi o que levou Ronald Reagan a declarar que a desregulamentação do mercado resolveria os problemas das instituições de poupança e Alan Greenspan a insistir que a proliferação dos derivativos tinham, sim, fortalecido o sistema financeiro. Foi graças a essa ideologia que os órgãos reguladores ignoraram os riscos que iam se avolumando.


Assim, o que podemos aprender com a maneira como a Irlanda, com instituições tão diferentes, foi afetada por uma crise financeira similar à dos EUA? Sobretudo, que temos de nos concentrar tanto nos reguladores como nos regulamentos. Por todos os meios, precisamos limitar não só o endividamento como o uso da securitização. Mas essas medidas não valerão nada se não forem aplicadas e supervisionadas por pessoas que sabem que é seu dever dizer não a banqueiros poderosos. É por isso que precisamos de uma agência independente de proteção dos consumidores de serviços financeiros.


E, além disso, precisamos mudar totalmente nossa atitude, reconhecendo que permitir que os banqueiros façam o que quiserem é receita para o desastre. Se isso não ocorrer, significa que não conseguimos aprender com a história recente - e estaremos condenados a repeti-la.

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