O pré-sal de cada um
O GLOBO - 18/03/10
Essa discussão sobre a divisão da renda do petróleo do pré-sal parece uma briga pela herança de um parente moribundo, mas que ainda não morreu. Há algo de constrangedor na disputa pelo espólio de um vivo, mesmo que seu fim esteja perto. A diferença entre o parente e o pré-sal é que enquanto a morte de um é certa a existência do outro é apenas uma probabilidade. Por enquanto, só temos a palavra da Petrobras de que o petróleo está lá, e só uma especulação sobre o valor a ser dividido. O que não impede o feio espetáculo da guerra precoce pela partilha, equivalente a herdeiros se engalfinhando em cima do moribundo, derrubando o soro, etc. Um pouco de recato, gente.
Mas a verdade é que não posso criticar. Tenho já planejado o que farei quando ganhar na mega-sena, que é o pré-sal sonhado de cada um. É quase uma vida imaginária paralela, só esperando o grande prêmio para se tornar realidade. Conheço gente que tem até a planta da casa que mandará fazer na Côte D’Azur pronta, para a eventualidade de ganhar. A diferença entre esses outros esperançosos e eu é que também sei exatamente como gastar o dinheiro ganho no jogo – só que não jogo. Na minha vida imaginária de apostador vencedor sempre falta o detalhe da aposta. E quem passa o tempo todo sonhando em ser rico tem tempo para detalhes?
No caso do pré-sal fazem um cálculo que eu não entendo: o do que os estados produtores perderão se a sua parte na divisão dos roialtis não for maior. Nada contra o Rio receber tudo a que tem direito, mas há uma sutil distinção entre perder e deixar de ganhar. Se eu pedir um milhão de dólares ao Eike Batista e ele, sensatamente, não me der, deixarei de ganhar ou ficarei um milhão de dólares mais pobre? A questão é semântica, deixa pra lá.
GLAUCO
Sempre achei que, depois do pessoal da Semana de Arte Moderna, ninguém tinha feito literatura paulista como os cartunistas. Claro que apareceram bons autores escrevendo sobre a experiência paulista mas, na minha opinião, ninguém a retratava no seu desvario, com todo o escracho e a loucura aparecendo, como o Angeli, o Laerte e o Glauco nas suas tiras. Não tenho notícia de outro personagem no mundo dos quadrinhos – ou da literatura – parecido com o Geraldão do Glauco, equilibrando copos e seringas na incansável perseguição da sua tara pela própria mãe. Como o Angeli, quando não estava subvertendo a moral e os bons costumes nas tiras o Glauco também era um excelente chargista político. Como o Laerte, que está levando sua arte para zonas nunca antes exploradas, em quadrinhos ou fora deles, o Glauco também era um experimentador genial. É uma triste ironia que ele tenha sido uma vítima do desvario.
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