América Latina na Europa
FOLHA DE SÃO PAULO - 04/02/10
A Grécia terá de dançar miudinho, segundo o pacote que acertou com a União Europeia. Trata-se de um plano fiscal de bitola estreita, como aqueles que países latino-americanos acertavam periódica e frequentemente com o FMI até pouco antes do ano 2000.
O deficit público da Grécia foi a 12,7% do PIB em 2009; o deficit externo, 12%. Quando o Brasil foi à lona, em 1998, o deficit público estava na casa de 7% do PIB. Obviamente não é apenas o tamanho do rombo que faz um país pedir água. Histórico de calotes, tamanho da dívida, seu prazo de vencimento e, em suma, a confiança dos credores são os determinantes. O deficit francês, por exemplo, foi a 8,2% em 2009; os americanos tapam seus rombos na prática "imprimindo" dólares como papel de chiclete, mas o mundo usa a dívida americana como colchão para guardar poupança.
De resto, a Grécia está na eurolândia -caso contrário, penderia no cadafalso dos mercados. Os europeus não podem deixar que um país saia do bloco monetário, desvalorizando a moeda, o que desmoralizaria o euro e, de quebra, levaria pelo menos Portugal na enxurrada e provocaria enchentes na Espanha e na Itália. Por essas e poucas outras, a Grécia não é anedota financeira da periferia europeia como a Islândia, aquele parque de diversões liberalóide.
O governo grego prometeu cortar salários e empregos no governo, reformar a previdência e o sistema de saúde público (isto é, talhar gastos) e criar uma espécie de "fundo social de emergência" de 10%. Isto é, algo semelhante à "desvinculação de receitas da União" aqui no Brasil, coisa criada nos anos FHC e que dura até hoje, um dinheiro que sai do cofre para bancar superavit primários.
O governo ainda aumentou o imposto sobre combustíveis e, pelo andar da carruagem, ainda não muito evidente, vai reprimir aumentos de salários no setor privado também. O deficit do governo grego tem de cair para 3% do PIB até 2012. Em troca, virá ajuda da União Europeia. Mas o arrocho pode dar em algum tumulto.
A Grécia, embora bem mais rica que o Brasil, é o canto pobre da eurolândia à leste (no oeste, é Portugal). Isso significa que o colchão social é mais fininho. A economia deve ficar estagnada outra vez neste ano. A esquerda tem ainda alguma força, em especial nos sindicatos, os estudantes têm tradição de protesto pesado.
No final de 2008, houve greve geral e morte na rua. Foi quando o então líder da oposição, o socialista George Papandreou, dizia "chega desse governo que não entende os problemas do país". Os socialistas venceram a eleição de 2009 e Papandreou se tornou o premiê que vai baixar o arrocho. O mercado gostou da promessa e parou de vender papéis gregos. Portugal, 9,3% de deficit público, virou a bola europeia da vez. O ambiente no mercado mundial está mais azedo. Há o ruído europeu, rumor sobre contínua estagnação no mercado de trabalho americano, sustos e corrida a cada anúncio de aperto monetário na China.
As Bolsas americanas estão no pior nível desde outubro. Sentimos essas marolas por aqui, com estrangeiros dando uma breve escapada de papéis brasileiros -breve por ora. De mais importante, a marola bate no dólar. O que não pega bem quando se começa a discutir inflação e alta de juros.
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