Risco cresce, poder se fragmenta
O ESTADO DE SÃO PAULO - 02/01/10
A década poderia ter acabado com um novo atentado como o 11 de Setembro. Será que, afinal, George W. Bush estava certo? Será que a "guerra total ao terror" é o conflito que define nosso tempo? Nesse caso, e as mudanças climáticas? E o fato de que mais de um bilhão de pessoas precisar sobreviver com menos de US$ 1 ao dia? E a proliferação nuclear, a ameaça de uma pandemia mundial, a crise do capitalismo globalizado?
Será necessária uma longa luta para reduzir a ameaça do terrorismo a um mínimo suportável, e esta luta terá de ser conduzida de modo mais inteligente do que nos últimos dez anos. Mas o problema da década que começa agora é que já temos meia dúzia de outras ameaças colossais à liberdade e ao modo de vida da maioria que vive sob democracias desenvolvidas.
Neste momento, nos defrontamos com um número crescente de ameaças que dizem respeito às pessoas de país, mas que se originam em outros países, e só podem ser resolvidos com a colaboração de muitos países. É o caso da crise financeira, do crime organizado, da migração em massa, do aquecimento global, das pandemias e do terrorismo internacional, para mencionar apenas alguns. A necessidade de cooperação internacional nunca foi tão grande, mas a oferta não acompanha a demanda.
LIMITAÇÕES
Sob vários e importantes aspectos, esta cooperação se tornou muito difícil. O poder dos governos nacionais é cada vez mais limitado por companhias, bancos, mercado internacional, mídia, organizações não governamentais e fluxos de informação. Além da difusão vertical, há a horizontal, com o surgimento de novas grandes potências que competem com os EUA, Europa e Rússia. A ascensão da China é a mais importante e constituirá uma história central da nova década, mas há também Índia, Brasil, África do Sul e outros.
Nada disso está ainda devidamente expresso nos arranjos institucionais das organizações internacionais nascidas depois de 1945 - quer na participação permanente no Conselho de Segurança da ONU, quer no direito de voto no Fundo Monetário Internacional (FMI).
Historicamente, as principais mudanças das relações de poder entre Estados foram acompanhadas por guerras. A releitura de O choque de civilizações, de Samuel Huntington, de 1996, faz recordar que ele imagina uma guerra entre China e EUA supostamente deflagrada em ... 2010. A situação ainda não se agravou a este ponto, mas nas próximas décadas, o mero fato de se evitar uma guerra maior, seja ela entre a China e os EUA ou na Ásia, exigirá o esforço consciente e a diplomacia de uma ordem superior. Entretanto, esta época de problemas transnacionais exige não apenas que os Estados não guerreiem entre si - a condição mais fundamental da ordem internacional - mas que cooperem ativamente entre si como nunca fizeram até agora.
Em 2000, os EUA ainda detinham uma liderança decisiva, mas desperdiçaram uma enorme oportunidade nos oito anos do governo Bush. O especialista em política externa americana, Richard Haas, que fez parte do governo Bush nos primeiros anos, fala de "uma década de distração estratégica". Agora Barack Obama tenta juntar os pedaços, mas talvez seja tarde demais. Os historiadores poderão dizer: Bush poderia, mas não quis; Obama pretendia, mas não pôde.
No final da década, a cúpula do clima em Copenhague foi a ilustração perfeita deste mundo de problemas globalizados sem uma governança global. Em teoria, os quase 200 países da chamada "comunidade internacional" poderiam, sob os auspícios da ONU, selar um acordo internacional juridicamente compulsório para resolver o problema mais obviamente global do nosso tempo. Na prática, quase nada aconteceu.
Timothy Garton Ash é historiador e analista político
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