Figuras na paisagem
FOLHA DE SÃO PAULO - 18/01/10
Um deles, e dos mais queridos, é o bebum dos jornalistas, um conjunto residencial nas ruas internas perto do Jardim de Alah. Em seus delírios alcoólicos, ele dirige o trânsito, faz-se de flanelinha e, quando cisma que alguém manobra mal, passa-lhe as piores descomposturas, ainda que incompreensíveis. Não sei seu nome, nem quem lhe paga a birita. À noite, recolhe-se a suas caixas de papelão na calçada e dorme, pacificado.
Outro, antiquíssimo no bairro e o único mendigo profissional, é o deficiente sobre rolimãs na altura do cinema Leblon. Os detalhes são o cabelo, descolorado e em rabo de cavalo, e a roupinha transada – o coletinho sobre a pele, à Joe Cocker, ou a camisa tacheada, tipo Jimi Hendrix. Dá-se com todas as coroas do pedaço, suas amigas desde os idos de Woodstock.
A mais dramática, porque nitidamente perturbada, é a mulher das malas nas cercanias de General Artigas. É uma negra gorda e forte, já idosa, mas com invejável energia para carregar cinco ou seis malas grandes e de modo algum vazias. À noite, elege uma marquise e usa-as como cama.
A última a surgir no bairro é a mulher que, dia sim, dia não, vejo sentada na escadaria da praia. É como muitas: plásticos, paninhos, papelões, corpo decrépito, idade indefinida. Mas vive atracada a um tesouro: um laptop. Que não sei se funciona com bateria, nem mesmo se funciona, e se de fato envia as mensagens que ela dirige ao mundo.
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