segunda-feira, janeiro 25, 2010

PAULO GUEDES - REVISTA ÉPOCA

Nossa Economia

Revista Época - 25/01/2010


Nossa democracia é como um saci-pererê

A vitória do empresário Sebastián Piñera na eleição presidencial chilena invadiu o noticiário brasileiro com interessantes interpretações políticas. Uma observação imediata, de olho na sucessão de Lula, tem dado ênfase à incapacidade da presidente Michelle Bachelet de transferir votos e impedir, apesar de seus 80% de aprovação popular, a derrota do candidato da aliança de esquerda, Eduardo Frei. Seria um sinal das dificuldades à frente da candidatura de Dilma Rousseff.

Outro registro tem sido o fim de um longo período de hegemonia eleitoral da esquerda, antes e depois da ditadura do general Pinochet. Com a vitória de Piñera, a liberal-democracia surge como bem fundamentada alternativa aos socialistas e aos social-democratas, disputando as preferências de conservadores e democratas-cristãos. Ao contrário do que ocorre no Brasil, politicamente perneta, um saci-pererê que só tem a perna esquerda.

Como liberal-democrata de boa estirpe, não estou politicamente representado por nenhum dos partidos atuais. Meu único suspiro limitou-se ao ano da retomada das eleições diretas no Brasil, em 1989, quando coordenei a elaboração do programa econômico de Guilherme Afif Domingos. Divirto-me hoje com o ressentimento dos tucanos para com os petistas em busca dos direitos autorais sobre a autonomia do Banco Central no combate à inflação, o regime de câmbio flexível e a exigência de superávit primário no orçamento. Afinal, tudo isso e muito mais que ainda falta para nosso bom desempenho econômico já estava no programa liberal-democrata que formulamos. De qualquer modo, antes tarde do que nunca.

Mas, na experiência chilena, há outras leituras bem mais importantes que não têm sido realçadas. Por mais de duas décadas, suas taxas de crescimento econômico estiveram entre as mais altas do mundo, as políticas sociais foram as mais avançadas e o grau de corrupção na política é dos mais baixos. As alianças políticas são orgânicas: socialistas, social-democratas e democratas-cristãos se revezaram no poder batendo na tecla da solidariedade. Os liberais-democratas e os conservadores levantam agora a bandeira da eficiência.

No Brasil, a política só tem a perna esquerda. No Chile, a vitória da direita liberal coroa o sucesso do país Pelo fato de a economia ter exibido vigoroso crescimento, o pêndulo político esteve por 20 anos com a social-democracia, em defesa de políticas públicas que atenuassem as desigualdades de oportunidades. Agora, no momento em que se mostra ameaçada a engrenagem de criação de riqueza, o pêndulo eleitoral se inclina para a liberal-democracia, de modo a impedir a fossilização da política, a estagnação da economia e a interrupção da dinâmica de mobilidade social.

O Chile, portanto, avança célere nos trilhos da Grande Sociedade Aberta. É a síntese da modernidade, muito além da esquerda e da direita. É a grande história de sucesso na América Latina. O modelo econômico liberal e as políticas públicas com foco na eliminação da pobreza e na promoção da igualdade de oportunidades criaram uma nova sociedade. Os chilenos situados abaixo da linha de pobreza eram 50% no início dos anos 80. Caíram para os 13,5% de hoje. Os frutos do progresso em ritmo acelerado foram transferidos à maioria da população.

É compreensível que, por solidariedade ou identidade latino-americana, tenhamos simpatia por figuras como Fidel, Chávez e Morales. Mas só a desonestidade intelectual, a ignorância econômica ou a cegueira ideológica poderiam encontrar em seu surrado discurso socialista e populista qualquer esperança de um futuro melhor para seus povos. O câmbio duplo, o Exército nos supermercados e a onda de frustrações que varre a Venezuela evocam tristes lembranças do Plano Cruzado, com os “Fiscais do Sarney” nas cidades enquanto se caçavam bois no pasto.

Há hoje, claramente, duas tribos na América Latina: de um lado, o Chile, o Peru, o Brasil e a Colômbia. De outro, Cuba, Venezuela, Argentina, Bolívia e Equador. Não há muitas dúvidas quanto a quem está no caminho certo – e quem repete tragicamente erros do passado.

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