À moda brasileira
O GLOBO - 06/01/10
O ano começa com a criação de um monopólio e uma reestatização. A compra da Quattor pela Braskem dará ao grupo formado pela Odebrecht e Petrobras o controle de todas as centrais petroquímicas e a maioria da produção das resinas plásticas. A operação em que a Cemig está comprando ações dos sócios da Rio Minas Energia é na prática a volta da Light a mãos estatais.
A privatização da Light não foi privatização de fato.
Na época, quem comprou foi uma estatal francesa, a EDF. Logo após, o Rio viveu uma onda de apagões. Em seguida, melhorou, mas os grandes prejuízos levaram a empresa francesa a vender a Light. O grupo de investidores que se formou para comprar dizia que estava enfim trazendo a administração da empresa de volta ao Rio. Agora, o controle será da estatal mineira. Os novos donos já avisaram que não há garantia de que os apagões vão acabar. Todos os donos justificam o baixo investimento com os mesmos argumentos: no Rio, é difícil combater o roubo de energia e isso mina a receita da empresa. Além disso, é um mercado estagnado.
O consumo continua 1% menor do que há dez anos.
A petroquímica nasceu no Brasil por decisão do Estado, mas não para ser estatal. Era um modelo tripartite: cada uma das três centrais de produção de matéria-prima era controlada por um consórcio diferente, formado por capital estrangeiro, um grupo privado nacional e a Petrobras.
A segunda geração de produtos derivados da matériaprima nasceu incentivada e financiada pelo Estado, mas em vários grupos privados.
Décadas depois, o governo decidiu retirar a Petrobras do setor e privatizar suas participações. Nos últimos anos, no entanto, a Petrobras voltou a crescer, comprando participações ou empresas e aprofundando sua sociedade com a Odebrecht.
Com a compra da Quattor, a Braskem vai controlar todas as centrais e um altíssimo percentual de produção das resinas termoplásticas: polietilenos, polipropilenos, poliestirenos e PVCs. Hoje, o Brasil produz 5,5 milhões de toneladas de resinas. Quando a Petrobras inaugurar a Comperj, em Itaboraí, serão mais dois milhões de toneladas.
Só a resina Pet não é produzida pelo grupo, e sim por outro monopólio, o grupo italiano MG.
A Braskem argumenta que mesmo tendo todo esse controle, isso não produz riscos para o mercado.
— Esse é um mercado internacional, as resinas são facilmente importadas, os produtos viajam bem. Isso significa que se algum produtor local, formador de preço, quiser reajustar o produto além da cotação internacional vai incentivar a importação — diz Marcelo Lyra, vice-presidente Institucional da Braskem.
Ontem de manhã, a Braskem informou à CVM que a compra da Quattor ainda não havia sido fechada. E até à tarde, quando falei com a empresa, as negociações continuavam para contornar a resistência de um dos familiares. Uma das vantagens do negócio será resgatar a Quattor das brigas da família Geyer, paralisante para qualquer grupo.
O negócio tornará a Braskem a maior empresa do Mercosul. A Dow Química e a Solvay operam na Argentina, mas são bem menores do que a empresa petroquímica brasileira.
Lyra disse que os clientes da empresa não veem a operação como uma ameaça.
— A consolidação dará ganhos de escala que beneficiarão os clientes com mais competitividade e inovação — disse.
Ter um grupo nacional forte é bom sim, desde que o tamanho da empresa não crie distorções de mercado.
No caso das resinas plásticas, de fato, outros especialistas confirmam a visão da empresa. O Brasil exporta 25% do que produz e importa 20% do que consome de resinas.
A economia brasileira é cheia de grandes empresas que dependem excessivamente do financiamento estatal, ou se associam a estatais, ou justificam o controle do mercado onde atuam com o argumento nacionalista.
Isso cria uma espécie de capitalismo à moda brasileira.
No caso da Light, os erros já começaram na privatização.
Ela foi a leilão antes de haver órgão regulador. Os apagões tiveram o agravante do processo decisório lento de uma estatal francesa.
A esperança nasceu quando se formou um grupo de investidores privados, mas no fim do ano passado novos apagões revelaram a crônica falta de manutenção. Agora, o negócio será assumido por uma estatal mineira.
Algumas estatais são bem geridas, algumas empresas privadas são mal geridas.
O problema é que as estatais bem geridas, dependendo de quem assume o governo, podem ser entregues a interesses políticos.
Monopólios são sempre um perigo, mas quando há chance de importação há como evitar abuso de poder de mercado.
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