Plano demole soberania e democracia
O ESTADO DE SÃO PAULO - 19/01/10
Algumas proposições do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH) são graves ameaças à nossa soberania e à integridade territorial, afirmação que merece apreciação mais detalhada para ser entendida.
O PNDH preconiza o "reconhecimento do status constitucional de instrumentos internacionais de Direitos Humanos novos ou já existentes ainda não ratificados"; considera os indígenas nacionais pertencentes a povos indígenas, como se os brasileiros não fossem um único povo; e defende: o desenvolvimento deve "garantir a livre determinação dos povos, o reconhecimento de soberania sobre seus recursos e riquezas naturais". Não está em discussão a necessária proteção ao indígena e a seus direitos inquestionáveis como cidadão brasileiro, mas deve-se ter atenção às armadilhas semânticas destacadas neste parágrafo.
Um dos instrumentos internacionais aprovados na ONU, com o voto do Brasil, é a Declaração de Direitos dos Povos Indígenas, que lhes concede em suas terras, entre outros, o direito a autogoverno, autodeterminação da condição política, ter instituições políticas e sistemas jurídicos próprios, pertencer a uma "nação indígena" e vetar operações militares e medidas administrativas da União.
Portanto, o PNDH propõe ratificar na Constituição federal que os índios no Brasil pertençam a povos indígenas distintos do povo brasileiro, constituam outras nações com organização política própria e, em suas terras, exerçam os direitos supracitados e a soberania sobre recursos e riquezas existentes, mesmo com prejuízo dos demais brasileiros. Assim, ficariam automaticamente revogadas as ressalvas estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal em sua decisão sobre a demarcação da terra indígena Raposa-Serra do Sol, pelas quais o tribunal entendeu preservar nossa soberania e integridade territorial, e estariam concretizados os fundamentos para o reconhecimento internacional de dezenas de potenciais Estados-nação dentro de nossas fronteiras, no futuro. É a atomização do Brasil.
Os defensores da posição adotada pelo governo reportam-se ao artigo 46 da Declaração, onde consta que ela não será usada contra a soberania das nações. Ora, basta ler os direitos nela concedidos, que caracterizam uma renúncia voluntária à soberania por um país, para ver que o artigo é irrelevante. Por outro lado, o artigo 42 reza que "as Nações Unidas, seus órgãos, incluindo o Fórum Permanente para as Questões Indígenas e os organismos especializados (...), assim como os Estados, promoverão o respeito e a plena aplicação das disposições e velarão pela eficácia da presente Declaração". Um dos órgãos das Nações Unidas é o Conselho de Segurança, que determina as intervenções internacionais, nesse caso, ao amparo do artigo 42.
No tocante à ameaça à democracia, o PNDH fez cair a máscara da esquerda radical do governo. Na campanha eleitoral para a Presidência da República em 2002, ficou patente a guinada para o centro do PT e do seu então candidato, consubstanciada na Carta ao Povo Brasileiro. Após três derrotas sucessivas, entenderam que o discurso e a proposta de um regime socialista radical - modelo ultrapassado e desagregador - eram rechaçados pela Nação, amante da liberdade e da paz e avessa ao totalitarismo e à intolerância. Seria uma sincera autocrítica ou uma tática protelatória para acumular forças, esperando o momento propício para desvendar o véu? Era uma dúvida que pairava no ar.
O PT abriga diferentes linhas de pensamento da esquerda, mas sua identidade original é, sem dúvida, a corrente radical. Ela ocupa amplo espaço em instâncias decisórias do governo e vem aparelhando órgãos e ocupando cargos importantes nos Ministérios e secretarias da área social, de relações exteriores, da justiça, de direitos humanos, de comunicação e outras, devendo-se destacar a estratégica Casa Civil.
O lançamento do PNDH desvendou o propósito desse setor do governo de implantar um regime totalitário no Brasil, bem como sua força. O plano materializa a estratégia de tomada do poder pela revogação, de fato, da Constituição federal e procura travestir de legalidade instrumentos ilegítimos de pressão e controle da sociedade, como tem sido mostrado detalhadamente na mídia. As reações das instituições, da imprensa, de setores democráticos do próprio governo e a repercussão na sociedade implicam a tomada de uma decisão pelo presidente da República, havendo apenas três alternativas, salvo melhor juízo.
Anular o decreto do PNDH e reduzir substancialmente o poder da esquerda radical no governo. Justifica-se, pois é imperdoável que ela tenha traído a confiança do presidente, mais uma vez, ao fazê-lo assinar um documento sem alertá-lo sobre seu conteúdo polêmico. Calaria quem considera a postura adotada em 2002, na campanha eleitoral, uma tática dissimuladora e oportunista. Seria a decisão de um estadista, cuja sabedoria apreende as aspirações e os valores fundamentais da Nação que dirige.
Determinar a revisão parcial do PNDH, buscando contemporizar e deixar a solução do conflito para quando a conjuntura indicar que tem poder para neutralizar reações do lado que vier a ser contrariado. Decisão de um chefe político de perfil tradicional, que prioriza, muitas vezes, a manutenção do poder e os interesses político-partidários, mesmo com risco para a coesão, a paz e a harmonia social.
Manter o plano como está ou com modificações que não inviabilizem seu propósito original de preparar o terreno para a tomada do poder. Reforçaria a opinião dos que consideram um engodo a mencionada guinada para o centro e veem o presidente como adepto de um regime totalitário, ainda que sua imposição gere um conflito interno, com sérias consequências para a Nação.
O PNDH é uma bomba-relógio ao estilo dos grupos radicais, de quaisquer matizes, e seu conteúdo tem explosivo para demolir a soberania nacional e a democracia.
Luiz Eduardo Rocha Paiva, general da reserva, é professor emérito e ex-comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
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