Obama está com um pé no Terceiro Mundo
FOLHA DE SÃO PAULO - 31/01/10
O companheiro paga o preço de ter nomeado três médicos para o mesmo paciente
PARECE NOTICIÁRIO do Terceiro Mundo. A economia melhorou, mas pode sofrer outro piripaque e aquilo que seria um "V" viraria um "W". O presidente do Banco Central teve que batalhar votos de senadores para ser confirmado no cargo. O ministro da Fazenda, que já foi apanhado sonegando impostos, comprou pelo valor de face transações da seguradora AIG com a casa Goldman Sachs que arriscavam valer nada. Se isso fosse pouco, o companheiro Obama tinha três nomes para o comando da economia (Timothy Geithner, Lawrence Summers e Paul Volcker). Escolheu os três, botando um na Secretaria do Tesouro, outro na Casa Branca e o terceiro na presidência de um conselho.
Um ano depois, como no Terceiro Mundo, Geithner entrou num processo de fritura. Burocrata caladão, carrega a cruz de ter sido presidente do Fed de Nova York durante a farra de George Bush. Por conta do cargo, esteve no triunvirato que fez o serviço de salsicharia durante o tenebroso final de 2008, quando o sistema financeiro mundial estava derretendo. A tensão era tanta que o então secretário do Tesouro, Henry Paulson, foi ouvido vomitando no banheiro (sua versão chega às livrarias americanas amanhã).
O resgate dos negócios da AIG com a Goldman parece-se com a operação do Banco Central brasileiro durante a crise de 1999 com os bancos Marka e Fonte-Cindam. Na hora, era inevitável. Um ano depois, parece injustificável.
Durante um ano, Geithner e Lawrence Summers prevaleceram sobre Paul Volcker, que defendia um avanço sobre a jugular da banca. Com 82 anos, quase dois metros de altura e a autoridade de quem já presidiu o Fed na condição de queridinho dos banqueiros, Volcker nunca escondeu que era voz pouco ouvida e voto vencido. Passaram os meses e, da trinca, ele é hoje o mais poderoso. Não tem cargo executivo e é difícil que venha a tê-lo, mas, quanto mais rápida for a substituição de Geithner por alguém livre do passado, melhor para Obama.
Em 1982, salvou a banca que inundara o Terceiro Mundo com empréstimos temerários impondo o entendimento de que a conta da festa pertencia aos países devedores. Com isso, quebrou as economias de dezena de países, inclusive a do Brasil. Quando lhe perguntaram se ele achava que fizera isso, respondeu: "Esse era o meu serviço" (desta vez, a banca quebrou os Estados Unidos).
Paul Volcker machuca. Depois de deixar o Fed, pediram-lhe uma faxina no Banco Mundial, e ele a fez. Numa auditoria de um programa da ONU, pescou o filho do secretário-geral em traficâncias com o petróleo de Saddam Hussein. Chamado a procurar nos bancos suíços depósitos de judeus mortos no Holocausto, achou mil contas adormecidas.
PICO NOSSO GUIA
Rousseff deve fechar sua clínica e alguns médicos do Planalto, seus diretórios partidários. Eles disseram que Lula "não tem pressão alta". Como se fosse preferível chegar aos 18 por 12 sem hipertensão do que tendo-a.
Se o episódio foi um "Pico Nosso Guia", o risco foi maior, pois alterações desse tipo provocam acidentes vasculares. Quem tem pressão normal e toma um 18 por 12 no sistema corre mais perigo que um cidadão corretamente medicado.
Se Lula é hipertenso, basta passar numa farmácia, comprar um remedinho, tomar alguns cuidados, e ir em frente.
Essa conduta fará bem a Lula e aos milhões de brasileiros que sofrem de hipertensão, dão crédito a feitiçarias ou lorotas do poder, e não se tratam direito.
PESADELO GABEIRA
Fernando Gabeira criou um pesadelo para Sérgio Cabral. O ex-governador Anthony Garotinho conseguiu 20% na última pesquisa do Vox Populi, e Gabeira teve 18%. Somados, encostam em Cabral, com 39%. Cabral tem força no Grande Rio, e Garotinho, no interior. Se Gabeira avançar na cidade, Cabral corre o risco de morrer no primeiro turno. Cabral, contudo, tem uma arma secreta: Lula.
AS ÁGUAS VÃO ROLAR
O PT colecionou um acervo de filmes de propaganda usados pela campanha presidencial de Geraldo Alckmin mostrando que suas obras de drenagem dos rios de São Paulo protegeriam a cidade das enchentes. Só no leito do rio Tietê gastou-se R$ 1,1 bilhão. As obras serviram para muita coisa, mas a máquina do governo estadual anunciou que o risco de enchente na região cairia de 50% para 1%. Quem com marquetagem feriu, com marquetagem será ferido.
"L'ETÁ C'EST MUÁ"
Nosso Guia corre o risco de atravessar o espelho, indo viver no mundo do seu ego.
Outro dia disse o seguinte: "O FMI chegava ao Brasil humilhando o governo, dando palpite. Se antes era o Brasil que devia ao FMI e ficava como cachorro magro com o rabo entre as pernas, agora quem me deve é o FMI". O FMI não deve dinheiro a Lula. Deve ao Brasil.
FOFOCA
O jornalista americano Paul Blumfeld, autor de um memorável livro sobre as trapalhadas da ekipekonômica do FMI durante os anos 90, publicou nos Estados Unidos "Desventuras das Nações Favorecidas -Choques de Egos, Ambições Infladas e Grandes Ruínas do Sistema Comercial Mundial".
Nele, conta os bastidores das últimas reuniões da OMC e revela que em 2001, durante a discussão do regime de patentes farmacêuticas, em Doha, o embaixador Celso Amorim pediu socorro ao então ministro da Saúde, José Serra, para prevenir um recuo do seu chefe, o chanceler Celso Lafer.
Havia sido negociado um atalho para quebra de patentes, mas a delegação americana roeu a corda e quis virar o jogo. Amorim bateu pé, mas viu-se desqualificado, já que o chefe da delegação era Lafer, não ele.
Blumfeld contou que o embaixador "tinha um ás na manga": "Ansiosa, a equipe de Amorim saiu em busca de Serra, que estava num tour, e voltou para o Sheraton. O ministro da Saúde garantiu o embaixador". (Nesse lance Serra decidiu que, se ganhasse a eleição, faria de Amorim seu chanceler.)
A COSTURA PARA COLOCAR MEIRELLES NA VICE
A manobra que pode levar Henrique Meirelles à Vice-Presidência na chapa de Dilma Rousseff é pesada, mas pode prevalecer.
O presidente do Banco Central tem a simpatia de Lula e é defendido pelo ex-ministro Antonio Palocci. Meirelles serviria de contrapeso às inquietações que Dilma e o comissariado petista disseminaram no empresariado e no andar de cima. Nas últimas semanas, o mercado financeiro tomou-se de súbita paixão por José Serra.
Lula, Palocci e Dilma não têm votos na convenção que escolherá a chapa, mas podem recorrer a um poderoso eleitor. Costurando por dentro, o governador Sérgio Cabral viabilizaria Meirelles. Ele tem quatro vezes mais convencionais que a bancada paulista do partido.
Henrique Meirelles é e não é um quadro do PMDB, característica que o credencia para o exercício do cargo. Se Cabral emergir como seu grande eleitor, estará habilitado para se tornar uma ponte dourada entre os pleitos do partido e o Planalto num terceiro mandato petista.
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