No Haiti, o coronel de "Avatar" prevaleceu
FOLHA DE SÃO PAULO 17/01/10
Uma ilha, dois países, duas maneiras de lidar com a natureza e o preço da predação
POR TRÁS DA TRAGÉDIA haitiana há um secular desastre ambiental, preço que a natureza cobra aos predadores. Algo como se um coronel-fazendeiro Quatrich tivesse derrotado os Na'vi da terra de Pandora do filme "Avatar". A ilha, que se chamava Hispaniola, era partilhada a oeste pelo Haiti, com poucas terras férteis, e a leste pela República Dominicana e seu vales. Até o início do século 19, a França tirava da agricultura haitiana 25% da sua riqueza.
A riqueza vinha da escravidão, do café, da cana e do desmatamento. Do outro lado da ilha, a banda fértil foi menosprezada pelos espanhóis. Em 1804, derrotados por uma rebelião negra, os franceses foram embora do Haiti, as terras foram divididas e a pequena propriedade derrubou a produtividade da agricultura. Na Dominicana, a partir da segunda metade do 19 estimulou-se a imigração europeia. Mesmo assim, enquanto os haitianos mataram 20 dos 21 presidentes entre 1843 e 1915, os dominicanos tiveram 50 presidentes e 30 revoluções entre 1844 e 1930.
No século passado, os dois países tiveram ditadores larápios e assassinos. O haitiano François Duvalier era um médico pós-graduado nos Estados Unidos que pouco ligava para a modernização de sua terra. O dominicano Rafael Trujillo tinha pouca educação, mas foi na direção oposta.
A República Dominicana começou a preservar suas florestas em 1930. Trujillo e seu sucessor tomaram para si o monopólio do desmatamento, reprimiram a concorrência e expulsaram centenas de milhares de lavradores de suas roças. Hoje, 32% do território do país é ocupado por 74 reservas ambientais. No Haiti os parques são quatro e estão encolhendo. A renda per capita de um dominicano está em US$ 7.400, e a do haitiano vale US$ 1.300. (A do brasileiro é de US$ 9.400.)
(As informações deste texto saíram do esplêndido livro "Colapso", do geógrafo Jared Diamond.)
TRIÂNGULO
A diplomacia companheira de Nosso Guia cultiva uma "parceria estratégica" com a França e uma aproximação com o Irã. A negociação com os franceses envolve compras de armamentos que podem chegar a US$ 20 bilhões, ervanário equivalente ao orçamento do MEC. São cinco submarinos convencionais, o casco de outro, de propulsão nuclear, mais 36 caças Rafale. Na discussão dessas despesas apontam-se sobrepreços e carestias de pelo menos US$ 5 bilhões.
A aproximação com o Irã levou Nosso Guia a defender o programa nuclear do presidente Ahmadinejad ao mesmo tempo em que negou "autoridade moral" aos Estados Unidos e à Rússia para condenarem as bombas alheias.
Até 1979 a França foi parceira do programa nuclear do xá do Irã num projeto multinacional de enriquecimento de urânio. A França também construiu um reator para o ditador iraquiano Saddam Hussein, destruído em 1981 pela aviação israelense. (Nessa época a ditadura brasileira tinha um programa nuclear secreto com o Iraque.) Atualmente Nicolas Sarkozy é um adversário declarado da bomba iraniana. Sua oposição é mais firme que a de Nosso Guia. Em novembro passado, o presidente Ahmadinejad mostrou-se interessado em compartilhar tecnologia nuclear com o Brasil. Quem conhece os antecedentes das negociações nucleares secretas acha que há algo mais na parceria Brasil-França do que a compra de submarinos e aviões. Na melhor das hipóteses, um atalho para afastar o Irã do caminho da bomba. Na pior das hipóteses, a pior das hipóteses.
China, Índia e Paquistão juravam que seus programas nucleares eram pacíficos, até a hora em que cada um deles explodiu sua bomba.
BOICOTE A CHINA
Sugestão para quem torce pelo Google na sua briga com a censura chinesa: evite comprar produtos com a inscrição "Made in China" na carcaça.
Quem quiser ir mais longe pode mandar uma mensagem para a Apple pedindo-lhe que pare de fabricar seus iPods na China. Steve Jobs pretende dirigir uma empresa que, como o Google, é "do bem".
Enquanto o Yahoo entregou e-mails de dissidentes ao governo chinês, o Google quase rompeu com a censura de Pequim em 2006. Um de seus fundadores, Sergey Brin, foi ultrapassado pelo sócio Larry Page e pelo gerentão Eric Schmidt.
VOO EXTRA
O general brasileiro Floriano Peixoto Vieira Neto, comandante das tropas da ONU no Haiti, estava em Nova York na terça-feira, quando Porto Príncipe foi arrasada por um terremoto. A caminho do posto, ele voou de Miami à base de Guantánamo num jatinho da Guarda Costeira dos Estados Unidos.
BOA NOTÍCIA
Começou a descarrilar o lobby de empreiteiras, fornecedores de equipamentos e bancos interessados em arrancar do governo benefícios que garantissem a demanda pelo serviço do trem-bala. O BNDES ofereceu apenas a possibilidade de renegociação do contrato se, passado um tempo, viesse a faltar freguesia para o trem. Os maganos queriam mais. Seria um absurdo se os passageiros do trem-bala recebessem um subsídio para viajar a 300 quilômetros por hora, no ar refrigerado, enquanto a patuleia do Rio viaja a 30 quilômetros em ônibus-estufas e o prefeito Eduardo Paes (que prometeu a implantação do bilhete único) se recusa a subsidiar transporte público.
A TORRE DA ELETROBRÁS AJUDA A LAPA
O ex-prefeito Cesar Maia resolveu condenar a construção de uma torre de 40 andares no coração do Rio de Janeiro. Ele denunciou: "Prédio da Eletrobrás estupra a Lapa e o Corredor Cultural".
Logo Cesar Maia, que foi impedido de estuprar o aterro do Flamengo espetando um centro de convenções ao lado da marina da Glória. A construção da lâmina da Eletrobrás, bem como as torres projetadas para a Petrobras (a quatro quarteirões de distância), são algumas das melhores coisas que estão acontecendo no Rio de Janeiro.
A Eletrobrás levará cerca de 2.000 pessoas para os novos prédios, revitalizando um comércio estagnado. Um dos edifícios, mais baixo, ficará a 300 metros dos Arcos. O mais alto, a 400. Com 50 anos de atraso, ajudarão a resgatar a região, onde se deu o desastre urbanístico da avenida Chile, um lugar aonde se vai, mas por onde não se passa. (Isso para não se falar no monstruoso coador de macarrão da catedral).
A ideia de que não se deve construir edifícios altos na paisagem dos Arcos é um exagero. O aqueduto está parcialmente encapsulado numa enorme praça, que lhe dá o devido relevo.
Se São Sebastião ajudar, a Eletrobrás não entregará o projeto arquitetônico da torre a um escritório amigo ou subsidiário de empreiteira. Por agir dessa forma, a Infraero transformou inúmeros aeroportos brasileiros em sarcófagos, onde a única coisa que funcionou direito foi o tráfego de comissões.
Concursos públicos de arquitetura sempre fizeram bem ao Rio. A eles se devem marcos como o aeroporto do centro da cidade, o prédio da Petrobras e a futura sede do Museu da Imagem e do Som. Sem concurso, a torre da Eletrobrás ficará com o jeitão do choque de desordem que já impregnou o projeto da zona portuária. Nesse caso, é melhor deixar os Arcos em paz.
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