terça-feira, dezembro 29, 2009

PAUL KRUGMAN

O grande zero

O Estado de S. Paulo - 29/12/2009


Talvez nós soubéssemos, em algum nível instintivo, que esta seria uma época para ser esquecida. Seja qual for o motivo, passamos pela primeira década do novo milênio sem chegar a um acordo sobre como chamá-la. Década de dois mil e poucos? Primeira década do milênio? Não importa (sei que o novo milênio só começou de fato em 2001, alguém liga para esse detalhe?). Mas, do ponto de vista econômico, sugiro que chamemos a década que chega ao fim de "O Grande Zero". Foi uma década na qual nada de bom aconteceu e nenhum dos pensamentos otimistas nos quais depositamos nossa fé se revelou verdadeiro.

Foi uma década durante a qual foram criados praticamente zero empregos. É verdade que o total de pessoas empregadas registrado no mês de dezembro de 2009 será um pouco superior àquele de dezembro de 1999, mas a diferença é pequena. E os empregos no setor privado foram reduzidos - a primeira década em que é registrado tal fato.

Foi uma década de ganho econômico zero para a família típica. Na verdade, mesmo no auge do suposto "boom de Bush", em 2007, a renda média dos lares americanos ajustada pela inflação foi mais baixa do que a registrada em 1999. E sabemos o que aconteceu depois.

Foi uma década de ganho zero para os proprietários de imóveis, mesmo para aqueles que compraram nos primeiros anos: no momento, o preço dos imóveis ajustado pela inflação está praticamente de volta ao nível de dez anos atrás. E, quanto àqueles que compraram em meados da década - quando todas as pessoas consideradas sérias ridicularizavam os alertas de que o preço dos imóveis não fazia sentido, que estávamos no meio de uma gigantesca bolha - bem , eu imagino a dor que estão sentindo. Quase um quarto das hipotecas americanas - e 45% das hipotecas na Flórida - caíram na inadimplência, com os proprietários devendo mais do que valem seus imóveis.

Por último, e menos importante para a maioria dos americanos - mas de grande importância para as contas de aposentadoria, para não falar nos âncoras dos programas de finanças transmitidos na televisão - esta foi uma década de ganho zero no mercado de ações, mesmo sem levar em conta a inflação.

Lembra-se da animação generalizada quando o índice Dow Jones superou pela primeira vez os 10 mil pontos e livros muito vendidos como o Dow 36.000 previam que a época de prosperidade seguiria indefinidamente? Bem, aquilo foi em 1999. Na semana passada o mercado fechou em 10.520 pontos.

Assim, em termos de progresso econômico e sucesso, vivemos um período de grande atividade intensa e inócua. Engraçado como isso foi acontecer. Afinal, quando a década começou, havia a sensação predominante de triunfalismo econômico no establishment político e empresarial dos Estados Unidos, uma crença de que nós - mais do que qualquer um neste mundo - sabíamos o que estávamos fazendo.

Citarei um discurso feito em 1999 por Lawrence Summers, então vice-secretário do Tesouro (e hoje principal economista do governo Barack Obama): "Se me perguntarem o motivo por trás do sucesso do sistema financeiro americano", disse ele, "minha leitura seria que não existe inovação mais importante do que os princípios contábeis amplamente aceitos: eles significam que todos os investidores recebem informações apresentadas numa base comparável; que há disciplina entre os administradores das empresas em relação à maneira com que relatam e monitoram suas atividades". E ele foi além, declarando existir "um processo contínuo que é afinal responsável pelo funcionamento do nosso mercado de capitais e pela estabilidade desse funcionamento".

Eis, portanto, a crença sustentada em 1999 por Summers - e, para ser franco, também por praticamente todos os demais envolvidos no governo: os EUA contam com uma contabilidade corporativa honesta; isto permite que os investidores tomem decisões sábias, e também obriga os administradores a se comportarem de maneira responsável; o resultado disso é um sistema financeiro estável e plenamente funcional.

Quanto, de tudo isto, se mostrou verdadeiro? Zero.

Entretanto, o mais impressionante em relação à década passada foi a nossa indisposição, enquanto país, em aprender com nossos próprios erros.

Mesmo enquanto a bolha das empresas pontocom murchava, banqueiros e investidores crédulos começaram a inflar uma nova bolha imobiliária.

Mesmo depois que empresas famosas e admiradas como Enron e WorldCom revelaram-se farsas de fachada construídas sobre a criatividade contábil, analistas e investidores acreditaram nas afirmações dos bancos sobre sua própria solidez financeira e caíram na empolgação criada em torno de investimentos que não eram capazes de compreender.

Mesmo depois de terem detonado um colapso econômico mundial, e precisarem recorrer a um resgate pago pelo contribuinte, os banqueiros rapidamente retomaram sua cultura de bonificações gigantescas e alavancagem excessiva.

Temos também os políticos. Mesmo agora, é difícil extrair dos democratas, incluindo Obama, uma crítica sem meias palavras contra as práticas que nos levaram à situação atual. E, quanto aos republicanos: agora que suas medidas de corte de impostos e redução da regulamentação nos levaram a um desastre econômico, sua receita para a recuperação consiste em: cortes de impostos e redução da regulamentação.

Assim, vamos nos despedir sem saudades do Grande Zero - a década em que nada realizamos e nada aprendemos. Será a próxima década melhor? Permaneçam sintonizados. Ah, e feliz Ano Novo.

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