A nova morte de Edmond Safra, na ficção
FOLHA DE SÃO PAULO - 20/12/09
Repórter finou-se em agosto mas reapareceu em dezembro, como uma assombração para Lily, viúva do banqueiro
NA SEMANA passada o andar de cima do circuito Nova York-Paris-Londres, com breve escala no Rio e São Paulo, ganhou um assunto para os tititis de fim de ano. É o livro "Too Much Money" ("Dinheiro Demais", inédito em português, US$ 13,69 no Kindle), do jornalista Dominick Dunne, refinado cronista das contas bancárias, lençóis e crimes da grã-finagem mundial. Ele contou uma história autobiográfica numa trama de ficção.
Dunne morreu em agosto, aos 84 anos. Trabalhou na revista "Vanity Fair" (Park Avenue, no livro), onde publicou diversas reportagens sobre as indecifráveis circunstâncias da morte de Edmond Safra, um dos mais poderosos banqueiros do mundo, em dezembro de 1999. O jornalista foi um algoz da gaúcha Lily Safra, viúva do bilionário. Ele achava que, com suas altas amizades, a senhora bloqueara seu trabalho.
Dunne trocou nomes, misturou biografias e chutou o pau da barraca. Como o próprio "New York Times" apontou, a ricaça Perla Zacharias, uma das principais personagens do livro, parece-se muito com Lily. Perla é sul-africana, Lily é brasileira; uma tem villa em Biarritz, a outra em Monte Carlo. Um dos maridos de Perla suicidou-se com dois tiros no peito, e o último, o banqueiro Konstantin, morreu asfixiado num banheiro. Com Lily sucedeu o mesmo: Alfredo Monteverde (o fundador do Ponto Frio) tinha um tiro na aorta, e Safra morreu trancado num banheiro durante um incêndio no seu apartamento de Monte Carlo.
Para alegria dos leitores, Dunne colocou Perla Zacharias na paisagem do alpinismo social dos filantropos bilionários. As orquídeas custam mil dólares e há ternos de sete mil. O Valentino de dez mil da baronesa lésbica Liagra desliza para o tapete, e a cozinheira pula de uma janela porque errou a mão do suflê. As boas casas são pintadas com 17 mãos de tinta e um casal esconde o cadáver de um convidado para não baixar o pique da festa. Dunne ensina que em Manhattan há apenas dez edifícios chiques, quatro na Quinta Avenida, três na Park, um na Gracie Square, outro em Sutton Place e o último na rua 53, diante do East River.
Dunne manipulou biografias de milionárias do final do século passado. Adele Harcourt, a princesa da filantropia que morreu em 2007, aos 105 anos, é Brooke Astor. Ela doou mais de US$ 100 milhões e terminou seus dias comendo o caviar que o demônio amassou. O filho octogenário deixava-a com lençóis sujos, avançou sobre seu patrimônio e está prestes a tomar merecida cadeia.
Dunne/Bailey e Perla Zacharias vivem como rato e gato em "Too Much Money". Ele querendo escrever um livro sobre a morte do banqueiro e ela azucrinando-lhe a vida. (Lily Safra conseguiu que a justiça inglesa mandasse destruir uma edição do livro "Empress Bianca", escrito por uma fofoqueira. Ele foi reeditado com 17 supressões e a versão original custa 500 dólares no eBay.)
O mistério da morte de Konstantin é um assunto que não termina. Ele tinha mal de Parkinson, mas se tornara paranoico por excesso de medicação. Sua guarda de segurança israelense não estava de serviço na noite do incêndio. O fogo durou duas horas, os bombeiros demoraram para chegar e foram retardados pela polícia, que algemou o chefe da segurança quando ele tentou subir ao apartamento.
Segundo a versão oficial de Biarritz/ Monte Carlo, o fogo foi ateado por um enfermeiro americano (ex-boina verde) que pensou em se transformar no herói que salvaria o patrão. O moço passou quase dez anos na cadeia e continua dizendo que o acidente foi provocado por misteriosos assaltantes. Poderiam ser jagunços da máfia russa, com quem o magnata tinha contas a acertar.
Dunne, como Bailey, sabia que tinha um câncer. Vivo, poderia ser processado. Morto, tirou do arquivo um casamento anterior de Perla Zacharias e mencionou derradeiras e barulhentas mudanças feitas no testamento de Konstantin. Ele protegeu suas fontes e, até certo ponto, a receita funcionou. Dois irmãos de Edmond Safra, os banqueiros José e Moshe, vivem no Brasil, mas Bailey não se ocupou deles, nem de seus representantes.
MÃO DE GATO
Nesta semana o STF entra em férias. Em junho deste ano e em dezembro do ano passado, no escurinho do recesso, a banca aproveitou o fim do expediente para entrar com um pedido de liminar que varreria para longe de seus cofres a demanda da choldra que pede de volta as perdas impostas às suas poupanças pelos planos Bresser e Verão. Nas duas ocasiões a manobra falhou porque as luzes do cinema acenderam-se. Não se sabe se haverá uma terceira tentativa.
LULA AJUDA O PSDB
Lula deu um presente ao tucanato quando disse que o PMDB deve organizar uma lista de nomes para a vaga de vice-presidente na chapa da candidata Dilma Rousseff. Os tucanos estavam dispostos a quaisquer acrobacias para empurrar com a barriga a decisão do PMDB. Para eles, o ideal seria que a escolha ficasse para a convenção do partido, em junho. Para isso, chegaram a inventar a candidatura do governador Roberto Requião. Ao falar em lista, Nosso Guia resolveu a questão e empurrou a decisão do PMDB para junho.
PRÉVIAS TUCANAS
Aécio Neves lastimou que o PSDB não tenha organizado um sistema de prévias para a escolha do seu candidato a presidente. Para que as coisas fiquem claras, evitando-se a vaga responsabilização de uma sigla, as prévias do PSDB não se realizaram por três motivos: 1) Porque o governador José Serra não as queria. 2) Porque o senador Sérgio Guerra, presidente do partido, sabendo que Serra não as queria, resolveu não brigar por elas. 3) Porque o governador Aécio Neves, sabendo que Sérgio Guerra não estava a fim de brigar por uma coisa que Serra não queria, resolveu ficar em copas.
Típica empulhação tucana.
DILMA FRITA
Se a ministra Dilma Rousseff for submetida a outra cenografia como a de Copenhague, talvez possa disputar uma vaga de vereador em Muriaé. Ela teve que disputar câmeras com Carlos Minc, prestígio com Marina Silva e tribuna com Lula. Só faltou disputar o salto em distancia com Maurren Maggi.
CIGARRO APAGADO
A tesoura fez um estrago no paraíso dos executivos de grandes empresas. A Souza Cruz sempre foi uma espécie de campeã no bom relacionamento com seus funcionários e esteve entre as primeiras firmas a oferecer planos de saúde e de aposentadoria aos seus quadros. A festa acabou. Em três anos sucessivos cerca de 400 executivos aposentados da empresa levaram mordidas do plano de saúde. Quem pagava R$ 1.000 em 2005 pagaria R$ 1.650 neste ano. A 70ª Vara do Trabalho do Rio congelou liminarmente um aumento de 15%. Sempre que o patronato avança sobre os direitos da patuleia acredita-se que a tunga só atingirá a turma do andar de baixo. É engano.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e acompanhou o julgamento da censura imposta ao "O Estado de S. Paulo" pelo empreendedor Fernando Sarney. Pela sua lembrança, o Supremo Tribunal tomou uma decisão que resultou, por seis votos a três, na permanência da mordaça.
Na sexta-feira o cretino soube que Fernando Sarney retirou a ação contra o jornal porque achou que seu gesto foi interpretado como uma tentativa de "restringir a liberdade de imprensa".
Como Eremildo é idiota, acreditou. Ele concluiu que Fernando Sarney tornou-se um defensor da liberdade de imprensa, deixando ao Supremo o papel de preservador da censura.
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