Quanto vale uma má companhia?
O ESTADO DE SÃO PAULO - 08/11/09
Nos próximos dias o Brasil receberá a visita de um personagem polêmico, para dizer o mínimo. O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, chefia um governo que não reconhece direitos civis e humanos de parcelas importantes da população. Seu regime persegue minorias étnicas e não permite aos homossexuais a liberdade de escolher a orientação sexual. Defende posições esdrúxulas, como a de que o Holocausto seria uma mentira contada apenas para justificar o direito aos judeus de terem o seu país, Israel. Além de negar a História, ele prega a destruição de Israel.
Sua reeleição para a presidência do Irã foi um triste episódio de violação explícita das regras da democracia. Ahmadinejad simplesmente ignorou os votos obtidos pelos candidatos oposicionistas e reprimiu brutalmente as manifestações de protesto que se seguiram. Os brasileiros se perguntam: com esse currículo, o que esse senhor vem fazer em nosso país? Os brasileiros judeus - como eu - vão além e manifestam sua indignação por essa visita. Afinal, como explicá-la? Como justificá-la?
O governo Lula e o Itamaraty dizem que o Brasil tem interesses econômicos em relação ao Irã e, em nome desses interesses, nosso país deveria fechar os olhos para os pecados do seu regime. Afinal - segue o argumento -, a defesa dos interesses nacionais sempre fala mais alto nas relações entre os países. Por que seria diferente com o Brasil? Se como nação temos alguns objetivos e se esses objetivos são importantes, por que não podemos abrir mão de princípios e valores, se isso for necessário para sua consecução? É assim que nossas autoridades têm justificado a estranha visita. Vender mais para o Irã, ampliar nosso comércio com esse país, justificaria o pecado de receber essa visita com virtudes tão escassas.
É difícil aceitar o argumento. Nós, brasileiros, que passamos por períodos difíceis, conquistamos a liberdade e a democracia e vivemos numa terra abençoada e tolerante, não gostamos de conviver com governantes que impõem aos seus povos privações contra as quais nos insurgimos. Sem aceitar a troca de valores e princípios por vantagens econômicas, pelo menos temos o direito de saber o preço que estamos pagando para passar por essa experiência. Afinal, quais seriam as dimensões dos interesses econômicos nacionais em jogo? O Irã seria mesmo um mercado importante para nossos produtos e o Brasil se beneficiaria tanto assim com a ampliação e a consolidação de nossas exportações para aquele país? Vamos, então, aos números.
É verdade que o Brasil desfruta um saldo positivo no seu comércio com o Irã. Mas tanto o saldo como o volume dos fluxos comerciais entre os dois países são modestos. Em 2008 o Brasil vendeu ao Irã apenas US$ 1,1 bilhão. Quase nada, comparado com o volume total de nossas exportações, que alcançaram naquele ano US$ 198 bilhões. Nosso faturamento para o Irã representou apenas 0,57% do total exportado. No mesmo ano compramos desse país apenas US$ 14,8 milhões, que representaram insignificante 0,01% das nossas importações totais. Como não compramos quase nada deles, apenas vendemos, o saldo em 2008 foi favorável ao Brasil em cerca de US$ 1,1 bilhão, que representou 4,5% do saldo total na nossa balança comercial. Em suma, como parceiro comercial o Irã representa muito pouco. Portanto, infelizmente, os números não apoiam a justificativa econômica da visita. O argumento do interesse econômico não se sustenta.
Além da visita não nos trazer resultados econômicos importantes, vai nos impor custos, pois afetará negativamente a imagem do Brasil na comunidade das nações. Como explicaremos aos nossos parceiros democratas e progressistas que acolheremos em nosso solo pacífico o representante de uma tirania obscurantista e retrógrada? Se há tão pouco a ganhar em termos econômicos e muito a perder na imagem, quais seriam, então, os verdadeiros interesses nacionais em jogo que justificariam tal visita? E por que não são revelados com clareza? Como brasileiros, temos o direito de saber. Afinal, o que vamos ganhar para passar por uma situação tão embaraçosa como essa? O que receberemos em troca por andar em tão má companhia?
*Hélio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), é presidente do Instituto Brasileiro de Relações de Emprego e Trabalho (Ibret)
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