Duas crises financeiras, dois resultados
FOLHA DE SÃO PAULO - 08/11/09
Na crise de 97/99 o tucanato avançou no bolso da patuleia, na de 2008 Nosso Guia apostou no consumo
UM MALVADO devorador de números fez um exercício e comparou as iniciativas tomadas pelo tucanato durante a crise financeira internacional de 1997/1999 com as medidas postas em prática pelo atual governo desde o ano passado. Fechando o foco nas mudanças tributárias, resulta que os tucanos avançaram no bolso da patuleia, enquanto Nosso Guia botou dinheiro na mão da choldra.
Entre maio de 1997 e dezembro de 1998 o governo remarcou, para cima, as alíquotas de sete impostos, além de passar a cobrar um novo tributo.
A alíquota do Imposto de Renda do andar de cima passou de 25% para 27,5%. O IOF de créditos pessoais dobrou e aumentaram-se as dentadas nas aplicações. O IPI das bebidas ficou 10% mais caro, e a alíquota do Cofins passou de 2% para 3%. Tudo isso e mais a entrada em vigor da CPMF, que arrecadou R$ 7 bilhões em 1997.
A voracidade arrecadatória elevou a carga tributária de 28,6% para 31,1% do PIB. O produto interno fechou 1998 com um crescimento de 0,03% e a taxa de desemprego pulou de 10% para 13%. Em 1999, o salário mínimo encolheu 3,5% em termos reais.
A crise financeira mundial de 2008/ 2009 foi mais severa que as dos anos 90. Em vez de aumentar impostos, o governo desonerou setores industriais, baixou o IPI dos carros, geladeiras e fogões, deixando de arrecadar cerca de R$ 6 bilhões nos primeiros três meses do tratamento. Uma mudança na tabela do Imposto de Renda das pessoas físicas, resolvida antes da crise, deixou cerca de R$ 5,5 bilhões na mão da choldra. A carga tributária caiu de 35,8% do PIB para 34,5%. Em 2009 o salário mínimo teve um ganho real de 6,4%.
O desemprego deu um rugido, mas voltou aos níveis anteriores à crise. Ao que tudo indica, a crise de 2008 sairá pelo mesmo preço que a de 1997/98: um ano de crescimento perdido.
As duas situações foram diferentes, mas o fantasma do populismo cambial praticado pela ekipekonômica de 1994 a 1998 acompanhará o tucanato até o fim de seus dias. O dólar-fantasia teve uma utilidade, ajudou a reeleger Fernando Henrique Cardoso. Ele derrotou Lula em outubro, e o real foi desvalorizado em janeiro.
CONGESTIONAMENTO DE ESPERTEZAS
Alguém precisa acalmar os transportecas da burocracia do trânsito. O Denatran resolveu que até 2014 todos os veículos em circulação no Brasil deverão estar equipados com chips. Já havia decidido que essa exigência deveria ser cumprida em 2012. Trata-se de equipar todos os carros com os adesivos eletrônicos e todos os municípios com antenas. Todos, inclusive Uiramutã, no extremo norte de Roraima, onde há 4.600 habitantes e dez veículos.
A exigência nacional é um disfarce para justificar a compra de equipamentos nas grandes capitais. Só em São Paulo seriam necessárias 2.500 antenas. Segundo uma conta de 2007, o negócio custaria R$ 400 milhões.
Junte-se a isso um projeto que cria a Inspeção Técnica Veicular. Ele divide o país em 15 ou 25 áreas que serão entregues a concessionários. Gracinha: pelo projeto não poderão entrar nas licitações as oficinas mecânicas ou quem tiver qualquer vinculação com o setor automotivo.
Recentemente apareceu outro mimo. O Ministério das Cidades, via Denatran, criou um programa para os municípios aprimorarem seus serviços de educação no trânsito. Em tese, uma entidade se habilita, leva algo como R$ 4 milhões e faz seu serviço. Noutro tipo de tese, o deputado da base de apoio ou do partido do doutor, conversa no ministério, vai ao município, escolhe a entidade (que já existe) e faz bonito, se não fizer mais.
MADAME NATASHA
Madame Natasha aprendeu a gostar de índios lendo textos do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. Ela acredita que seu mestre de indiologia merece uma de suas bolsas de estudo, por conta de um trecho extraído de um livro que publicará no ano que vem, intitulado "Isso não é tudo: Lévi-Strauss e a mitologia ameríndia". Explicando o alcance da frase "isso não é tudo", do professor francês, ele escreveu:
"Ela aponta para o inacabamento da análise estrutural, sugere as razões desse inacabamento: a fractalidade e rizomaticidade de todo objeto determinado pelo método estrutural".
Natasha tentou saber o que ele quis dizer e ensinaram-lhe que a ideia de "fractalidade" tem a ver com "padrões escalares autossimilares que podem emergir de sistemas caóticos".
Madame desistiu. Esse dialeto só é falado pela tribo dos filósofos da Alta Sorbonne.
MAU EXEMPLO
A reitora da USP, doutora Suely Vilela, precisa pedir ao departamento de pedagogia que avalie uma universidade onde acontecem coisas assim:
Uma aluna de doutorado faz uma tese e recebe a colaboração de dez professores (entre eles a reitora), que dividem com ela a honra da publicação de um artigo numa revista científica.
Quando se descobre que o artigo plagiara três fotografias e algumas frases, sem mencionar os verdadeiros autores nem sequer na bibliografia, de quem é a culpa? Da aluna. Por muito menos, Larry Summers foi defenestrado da presidência de Harvard.
MARQUETAGEM
De um feiticeiro que consome pesquisas eleitorais e torce por Dilma Rousseff: "Os tucanos sorriem quando Serra encosta nos 40% e a ministra patina nos 20%. Faltam 11 meses para a eleição e eles não devem esquecer que, em maio de 2008, a seis meses do pleito, Marta Suplicy tinha 30%, e Gilberto Kassab, 15%. Em outubro ele foi o mais votado no primeiro turno e levou a prefeitura no segundo, com 61% dos votos".
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e encantou-se com a ideia de "autoritarismo popular" exposta pelo professor Fernando Henrique Cardoso e ficou intrigado com o trecho no qual ele lista a nobiliarquia-companheira do "subperonismo lulista": Sindicatos, fundos de pensão e o PT "atraindo sócios privados privilegiados". O ex-presidente já havia falado dos "felizardos de grandes empresas" que se associam aos fundos de pensão, e nos "vorazes, mas ingênuos capitalistas" de Pindorama.
Eremildo está curioso. Quem seriam esses empresários? Dias depois, viu a lista das 19 firmas que cacifaram o jantar de entrega do prêmio da Chatam House a Nosso Guia, em Londres. (Uma mesa de dez lugares custou o equivalente a R$ 44 mil, ou R$ 4.400 por cada prato de comida.) Por conta da Viúva, entraram os suspeitos de sempre: BNDES, a Petrobras e o Banco do Brasil.
Pela banda privada entraram quatro bancos (Itaú, Bradesco, HSBC e Santander). Mais a TAM, a Telefônica, a British American Tobaco (pode me chamar de Souza Cruz), o laboratório GlaxoSmithKline, a mineradora Anglo American e as petroleiras Shell, BG, Chevron e Eni.
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