Apenas contradições
O Estado de S. Paulo - 19/11/2009 |
O governo tomou mais uma decisão paliativa na tentativa de atenuar o tombo do dólar no câmbio interno. Ontem, saiu a taxação, de 1,5%, sobre as novas emissões de recibos de ações de empresas brasileiras (DRs), os títulos que são negociados em bolsas internacionais. O comunicado oficial avisa que o objetivo é reduzir a migração de negócios da Bolsa brasileira para a de Nova York, um efeito que só a prática vai dizer se vai ser obtido, uma vez que as emissões antigas não são impactadas. Se atingir seu objetivo, haverá menos oferta de ADRs no mercado americano. Talvez isso provoque certa escassez de ADRs e, assim, certa alta de preços, em vez de uma baixa. A decisão prejudica as empresas brasileiras que preparam novo aumento de capital. Elas terão mais dificuldade para arrumar recursos baratos no exterior. O Banco do Brasil, que preparava forte emissão de ADRs, poderá ser uma das empresas atingidas. Parece inevitável que a capitalização da Petrobrás, programada para 2010, também enfrente aumento de custos. O impacto sobre o câmbio parece insignificante. Ficou claro que o governo continua determinado a baixar medidas administrativas para reduzir o tombo do dólar. Um dos preços desse procedimento é a criação de doses crescentes de insegurança. O governo começa a praticar um jogo contraditório em relação ao tratamento a dar ao capital estrangeiro. Precisa de muito capital externo porque não tem como financiar todos os planos que tem pela frente. Precisa de quase US$ 1 trilhão para uma enorme quantidade de projetos: investimentos do pré-sal; obras do PAC; trem-bala; capitalização da Petrobrás; caixas do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e do BNDES; obras da Copa do Mundo e da Olimpíada; reforço do capital da empresa brasileira... e por aí vai. E, no entanto, o mesmo governo desestimula a entrada de capitais com a taxação de um IOF de 2% e agora com outra taxação de 1,5% porque não quer admitir a principal consequência da forte entrada de dólares, que é a valorização do real. Essa contradição se desdobra em outras. O presidente Lula foi o primeiro a empurrar as empresas brasileiras a fazer investimentos no exterior. Aplaudiu as iniciativas da AmBev, da Embraer e da Gerdau. Mas não admite que a Vale avance pelo mesmo caminho. Lula cobra investimentos da Vale no Brasil e não lá fora. Para evitar a derrubada das cotações do câmbio, o governo autorizou os exportadores a manter contas em dólares no exterior. O diretor do Departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Fiesp, Roberto Giannetti da Fonseca, avisa que os exportadores têm depositados fora do País cerca de US$ 20 bilhões, que lá ficarão até que haja uma significativa desvalorização do real. Enquanto isso, faltarão recursos para capital de giro e financiamento de exportações. O BC já admitiu que vai autorizar os fundos de pensão a investirem parte do seu patrimônio no exterior para criar mais demanda para o dólar no câmbio interno. Mas, quando forem desviados, esses recursos farão falta nos investimentos que tiverem de ser feitos aqui dentro. As coisas já são naturalmente difíceis. O governo bem que poderia não dificultá-las ainda mais. Confira Sem solução - O acordo entre Argentina e Brasil apenas coloca um pouco de ordem no desacordo. O problema de fundo continua intocado. E o problema de fundo é o de que ambos os países têm políticas macroeconômicas divergentes. Não há convergência praticamente para nada. Políticas fiscal, monetária, cambial e de preços são diferentes. E, quando não há políticas comuns, o comércio fica distorcido. Tem país que aguenta mais as distorções, como o Brasil. E tem o que aguenta menos, caso da Argentina. Não dá para contar com normalização do comércio. |
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