O "carry trade" e a festa do dólar
FOLHA DE SÃO PAULO - 16/11/09
BEN BERNANKE seguiu à risca a análise feita por Milton Friedman sobre a crise de 1929 e da década de 1930. Expandiu a base monetária violentamente, levou os juros a zero e adotou uma atitude de negligência benigna com relação à desvalorização do dólar nos mercados cambiais pelo mundo afora.
Na verdade, foi o que ocorreu em 1933 (Franklin Roosevelt) e começou a tirar os EUA da crise: expansão de moeda, juros mais baixos e desvalorização do dólar em relação ao ouro.
Por trás desse "mix" em 2009, Bernanke pretende trazer um pouco de inflação via taxa de câmbio mais desvalorizado para evitar a terrível deflação. O resto tem ficado por conta do aumento do balanço do Fed (eufemismo para a base monetária triplicada) e do brutal aumento do deficit governamental pelo lado dos gastos públicos, beneficiando a recuperação de bancos e as vendas de automóveis.
Ocorre que essa política -embora esteja propiciando uma lenta recuperação e certamente evitando a deflação- está nitidamente provocando uma nova bolha de preços de ativos nas Bolsas, nas commodities e nas outras taxas de câmbio contra o dólar.
Tudo por causa do "carry trade".
O que é isso? Todo mundo toma empréstimos em dólares e compra outras moedas (sobretudo o real e o dólar australiano), outros ativos denominados em outras moedas (ver Bolsa brasileira) ou mesmo ativos mais arriscados denominados em dólar (Bolsa americana e commodities como ouro, petróleo, açúcar etc.).
O nome "carry trade" faz relembrar os tempos do overnight no Brasil das décadas de 1960, 1970 e 1980. Ou seja, são empréstimos em dólar por um dia a taxa zero para comprar ativos de risco denominados em dólar e certamente em reais, dólares australianos, euros etc.
O governo americano já está diante de um dilema. Precisa começar a subir os juros para conter as bolhas, mas teme que essa subida seja prematura do ponto de vista da atividade econômica do mundo real.
Curiosamente, no dia em que sair a "boa" notícia de que a economia norte-americana está crescendo bem, podemos ter um baque extraordinário nos mercados que estão formando bolhas. A Bolsa brasileira e o real vão inverter a tendência. Tudo está dependendo dos juros nos EUA.
Uma subida de juros nos EUA significa o início do fim ou da reversão dos "carry trades". O dólar vai se valorizar. A festa pode acabar.
É impressionante como, depois de uma bolha formada até setembro de 2008, temos de volta, apenas 14 meses depois, outra(s) bolha(s).
É aí que começa a valer a pena discutir o tamanho da porta de saída nos mercados de câmbio e de Bolsa nos países emergentes.
Como se viu no final de 2008, o real desvalorizou-se quase 50% em relação ao dólar e a Bolsa de Valores desabou. Comparativamente com outros mercados mais avançados, temos ainda a "thinness" do mercado cambial -sempre lembrada por Robert Mundell, Prêmio Nobel de Economia-, mais bem traduzida como "fina".
Isso torna a Bolsa brasileira extremamente dependente do "carry trade" e da festa do dólar -assim como o real-, o que implica uma enorme dependência em relação aos juros nos Estados Unidos.
A propósito, aqui no Brasil, a política de juros -voltada para as metas de inflação- enfrenta dilema semelhante ou até mais complexo.
As novas bolhas pedem políticas de juros diferenciadas. Para segurar a Bolsa, os juros devem subir, mas, para segurar o câmbio, os juros devem cair.
Provavelmente vamos ficar por aí, até porque a inflação vai bem, obrigado.
Mas o grande tema do final de 2009 e início de 2010 será a possibilidade de explosão das novas bolhas em função de aumento dos juros nos EUA.
ANTONIO CARLOS LEMGRUBER, 62, é doutor em economia pela Universidade de Virgínia (EUA) e ex-presidente do Banco Central do Brasil (1985).
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