O Rio amanheceu cantando. Toda a cidade amanheceu em flor. E os namorados vêm pra rua em bando porque a primavera é a estação do amor. Rio, das noites estreladas e praias azuis. Rio, das manhãs prateadas, das morenas queimadas, ao brilho do sol. Rio, és cidade-desejo, tens a ardência de um beijo em cada arrebol! A composição é de Braguinha (João de Barro) e foi gravada por Carmen Miranda, em 1934. Faz 75 anos. Na sexta-feira, o Rio amanheceu assim.
Só é preciso traduzir “arrebol”: alvorada ou crepúsculo avermelhado. De resto, a letra de Braguinha é atual. Continua sendo verdade. Uma verdade parcial, vista de cima, mas absoluta: não há no mundo natureza mais fotogênica num centro urbano do que a carioca. O Rio sempre foi um destino de sonho. Porque é bonita demais, que me perdoem as feias. É uma cidade exibida que convida ao namoro e ao voyeurismo.
Brasileiros de todos os sotaques se emocionaram ao ver na televisão as imagens do Rio de Janeiro em Copenhague, Dinamarca. Foi um exercício de sedução para sediar as Olimpíadas de 2016.
Esse amor pela cidade em que nascemos e crescemos é diretamente proporcional a nossa indignação com os sucessivos governos que vinham destruindo criminosamente o Rio e sua vocação para a alegria, o turismo e o prazer. Vocação que resiste a todos os ex-prefeitos omissos, a todas as ex-picuinhas com presidentes. Senão, como explicar que uma pesquisa com 10 mil pessoas em 20 países, feita pela revista Forbes, tenha acabado de eleger o Rio como “a cidade mais feliz do mundo”?
Na fria Copenhague, um dos pontos mais altos da apresentação foi o discurso do presidente Lula. Não vou repisar a paixão, porque isso Lula tem de sobra. E todos os passionais às vezes pisam na bola. Lula foi profissional. Treinado como um atleta para subir ao pódio e ganhar o ouro. Sua emoção estava na dose certa da sinceridade e propriedade dos argumentos, sem cacoetes de improviso. Não apelou para gracinhas dúbias. Não mencionou o Corinthians. Não recorreu a olhares, gestos e bocas. Não tropeçou, não cometeu gafes, e falou de multiculturalismo.
“Com muito orgulho, represento aqui as esperanças e os sonhos de mais de 190 milhões de brasileiros. Somos um povo apaixonado pelo esporte. Olhando para os cinco aros olímpicos, vejo neles o meu país. Não só somos um povo misturado, mas um povo que gosta muito de ser misturado”, disse.
Foi o Lula no auge do charme e carisma, com um toque de sobriedade que lhe caiu muito bem, uma sobriedade escassa na América do Sul. Lula não foi frio e formal como o presidente americano Barack Obama – que ficou cinco horas na Dinamarca e se mandou sem ouvir a votação. Nem apelou para sua infância, como fez Michelle, a primeira-dama, numa fala mais triste e particular do que a ocasião pedia. Lula não personalizou. Falou em nome do Brasil, da América do Sul e desafiou o Comitê Olímpico Internacional a ousar. A apostar no diferente. A acreditar na transformação de uma cidade pelo esporte. Lula foi “o cara”: “Chegou nossa hora. Entre as dez economias do mundo, somos o único país que nunca recebeu os Jogos. Essa decisão abrirá uma nova fronteira”.
Sei que os céticos enxergam os interesses políticos por trás. E que os pessimistas chegaram a torcer contra a candidatura do Rio. Foram poucos. A adesão do povo brasileiro foi impressionante: 85% queriam muito.
Claro que vamos cobrar o cumprimento de promessas. O não desvio de dinheiro público. Estamos cansados de testemunhar falcatruas. Chega de projetos megalomaníacos que enchem os bolsos de políticos e são inúteis para a população.
Não queremos pouco. Queremos uma transformação radical como a de Barcelona. O Rio pode enfim dar uma virada se houver planejamento e responsabilidade. No transporte, na segurança, na urbanização de algumas favelas e na remoção de outras, no meio ambiente, na infraestrutura, na saúde, no respeito à infância, na educação e cidadania. Esperamos que um dia o choque de ordem se torne redundante. Sim, nós podemos.
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