sábado, setembro 12, 2009

RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA
O circo de horror da Fórmula 1
RUTH DE AQUINO
Revista Época
RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br

O que leva um jovem talentoso de 24 anos, filho de tricampeão mundial de F-1, a arriscar a própria vida e a de outros batendo de propósito num muro durante uma corrida? Medo de perder o emprego. Insegurança. Até a confissão de Nelsinho Piquet, esperava-se que tudo não passasse de cortina de fumaça num circo alimentado de muita grana, fofocas, traições e espionagens. Sob pressão da Renault, “em estado mental frágil”, Nelsinho arriscou tudo e perdeu tudo no GP de Cingapura de 2008.

É coisa de bandido. História de máfia. Tanto que o depoimento de Nelsinho foi chamado de “delação premiada”. Ao denunciar a Renault, Nelsinho em tese não pode ser punido. Estaria jogando a última cartada para não perder sua licença. Seu argumento é que estaria tentando “assegurar a justiça e legalidade do campeonato”.

Se for verdade o juramento oficial de Nelsinho Piquet – e, hoje, é difícil colocar sua versão em dúvida – , o piloto brasileiro derrapou e bateu sob orientação de seu “manager” e diretor da Renault, Flavio Briatore, e do diretor técnico, Pat Symonds. O objetivo era favorecer o bicampeão mundial Fernando Alonso, seu colega de escuderia. Com a obstrução na pista e a entrada do carro de segurança, Alonso pulou do 19o lugar para o quinto e acabou vencendo a corrida. Incidentes assim beneficiam quem acaba de parar nos boxes para reabastecer. Alonso tinha enchido o tanque duas voltas antes.

“O senhor Symonds me puxou para um canto tranquilo e, usando um mapa, apontou-me para a curva exata onde eu deveria bater”, disse Nelsinho no depoimento para a Federação Internacional de Automobilismo (FIA). Tudo teria sido planejado de forma meticulosa, como um crime quase perfeito. A reunião com Briatore, antes da corrida, teria acontecido num momento em que ele cozinhava Nelsinho, não garantia a renovação de seu contrato com a Renault nem o autorizava a negociar com outras equipes.

Então, Nelsinho, nascido em julho de 1985 na romântica Heidelberg, Alemanha, fez o impensável. Imaturidade? Irresponsabilidade? Espírito de equipe? Ambição? Por que simplesmente não se recusou a fazer o que lhe pediam? Poderia ter se ferido ou ferido outros. Será que consultou o pai? Piquet não teria permitido. Soube depois.

Imaturo? Irresponsável? Ambicioso? Por que Nelsinho Piquet
não se recusou a bater o carro?

Foi o pai quem convenceu o filho a contar toda a história. Nelsinho Piquet foi demitido pela Renault em julho. Teria denunciado Briatore, a quem considera seu “carrasco”, se tivesse continuado na Renault? A cadeia de erros de Nelsinho não torna menos criminoso o pedido do grisalho Briatore, hoje uma celebridade do jet set internacional que se esbalda em iates, cercado de beldades como a atual mulher, Elisabetta. Nelsinho fez sua “declaração de verdade” à FIA no dia 30 de julho. Faltam as provas irrefutáveis. A Renault está processando Nelsinho.

As reações de outros pilotos também dizem muito sobre eles. Fernando Alonso, o beneficiado: “Estou muito surpreso com tudo isso (será?) . Mas essa investigação não afeta o sabor daquela vitória (deveria afetar...) . É um sabor muito bom, dos melhores”. E Rubinho Barrichello? “Vejo como uma falta de esportividade muito grande. Alguém que tenha a capacidade de fazer isso não merece estar no esporte.” Uhmmm... Não foi Rubinho quem tirou o pé do acelerador de sua Ferrari e freou vergonhosamente, a metros da bandeirada final do GP da Áustria, em 2002, para o alemão Michael Schumacher ultrapassar e ganhar a corrida, por ordem do chefão da escuderia? É isso que Rubinho chama de esportividade?

Não tem santo ali. O maior campeão de todos os tempos (Schumacher) foi acusado de jogar seu carro contra Damon Hill, em 1994, e Jacques Villeneuve, em 1997. Na primeira, apesar da revolta de muitos, comemorou o título pela Benetton. Em 1997, na Ferrari, foi punido pela FIA com a perda do título de vice-campeão.

O circo de horrores da F-1 serve de alerta a quem faz tramoias em nome da empresa, do chefe, do partido, do poder ou de si mesmo. Para não perder a boquinha, perde o juízo. Um dia acaba expulso do picadeiro. Quando colocamos a dignidade pessoal em jogo, os palhaços somos nós.

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