J.R. Guzzo
No quarto escuro
"Seria provavelmente um pouco mais fácil compreender
para onde o Brasil está indo se fosse possível conhecer
um pouco mais da ficha psicológica do presidente"
Raramente, ou nunca, se ouve falar de presidentes da República, primeiros-ministros ou outros tops de linha da vida pública que vão regularmente ao psicanalista – ou ao psiquiatra, psicólogo, psicoterapeuta, como se queira. Por que será? Não haveria nada de mau se fossem. Afinal, são seres humanos como quaisquer outros; como quaisquer outros, têm uma cabeça e os problemas que vêm dentro dela. O fato de ocuparem o topo da cadeia alimentar do mundo político, em suma, não os livra da sentença que o compositor Caetano Veloso tornou célebre: "De perto, ninguém é normal". Pensando bem, deveriam recorrer a esse tipo de assistência até mais que os cidadãos comuns, pois faz parte de sua atividade tomar decisões que podem afetar todo mundo, e muitas vezes o que decidem é o resultado do que têm lá no fundo de sua personalidade.
Basta olhar um pouco mais o comportamento dessa gente toda para constatar que o assunto deveria merecer atenção maior do que a que geralmente recebe. O ex-presidente George W. Bush, por exemplo, dava a impressão de ser uma pessoa claramente necessitada de algum tipo de ajuda psicológica profissional. O presidente da França, Nicolas Sarkozy, cuja hiperatividade é tão comentada, parece ser outro caso interessante. Ninguém acharia estranho, também, se cruzasse na antessala do analista com Hugo Chávez, Silvio Berlusconi ou Muamar Kadafi. E esse cidadão que era presidente de Honduras e vive perturbando a paciência de meio mundo para recuperar o emprego que perdeu? O homem não aparece, nunca, sem aquele chapéu; é esquisito.
E por aqui? Por aqui temos o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua própria personalidade. Cada caso é um caso, claro. Ninguém está dizendo, pelo amor de Deus, que os nomes citados se equivalem, ou têm os mesmos problemas. Trata-se, simplesmente, de observar que o presidente da República também está sujeito às diversas complicações que povoam o quarto escuro onde funciona a mente dos homens. Ou seja, não dá para entender apenas através da política o que ele diz e faz; certas coisas só mesmo o psicanalista pode explicar, e ainda assim não é sempre que consegue. O fato é que seria provavelmente um pouco mais fácil compreender para onde o Brasil está indo se fosse possível conhecer um pouco mais da ficha psicológica do presidente. Que problema poderia haver nisso? Psicanálise, é verdade, é vista como coisa de classe média alta; mas Lula é da classe média alta, pelo menos. Também é certo que custa caro, mas isso não seria problema para quem já tem direito a Airbus particular, cartão de crédito corporativo e plano médico pago pelo Erário; duas boas sessões de cinquenta minutos por semana não iriam destruir o orçamento da União. Falta de tempo para deitar no divã? Não seria por aí, certamente.
Os ganhos, em compensação, poderiam ser bem interessantes. Um profissional das ciências ligadas à mente talvez ajudasse a entender, por exemplo, por que o presidente praticamente não consegue dizer um "bom dia" sem falar mal de seus opositores, reais ou imaginários, sobretudo se fizeram parte do governo que o antecedeu. De onde vem tanto rancor? Não é normal. Mesmo quando está comemorando alguma coisa boa, real ou imaginária, Lula sempre encontra um jeito de sair de pau para cima de alguém; dá a impressão de que só fica satisfeito, mesmo, quando agride, critica ou faz pouco de quem coloca na sua lista de adversários. É um problema, porque esse tipo de distúrbio, quando vem de cima, parece transmissível; ministros de estado, principalmente se são candidatos à sucessão presidencial, aliados e bajuladores em geral adquirem com facilidade os mesmos sintomas. E a soberba, então? Seria difícil encontrar, na vida pública brasileira, alguém tão convencido quanto Lula da sua própria superioridade; acha que cabe a ele ou a seu governo, sem a menor dúvida, tudo o que existe ou pode existir de bom neste mundo, da descoberta do pré-sal à invenção do ovo frito. Como já observou o poeta Ferreira Gullar, é um dos grandes mistérios da nossa história saber como o Brasil conseguiu sobreviver sem Lula durante os primeiros 502 anos de sua existência. Os psicanalistas também teriam um trabalhão para determinar por que o presidente fica tão bravo, o tempo todo, com os que têm ideias diferentes das dele em questões de governo; são acusados de ser inimigos do Brasil, dos pobres, da justiça, do progresso e dos Dez Mandamentos. Na melhor das hipóteses, como ocorreu há pouco, são chamados por Lula de "imbecis".
Cabeça a estudar, sem dúvida.
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