Ciência neutra
O GLOBO - 24/09/09
Anos antes um outro rei, Rodolfo II, da Boêmia, tinha tentado fazer o contrário, engajar a ciência, ou o que passava por ciência na sua época, na ampliação dos seus poderes. Rodolfo II tornou-se patrono de todas as artes claras e ocultas de que ouvia falar e recrutou para sua corte, além de artistas e pesquisadores “sérios” como Tycho Brahe e Johannes Kepler, gente como os ingleses Edward Kelley, um vigarista metafísico, e John Dee, conhecido como conselheiro da rainha Elizabeth I para assuntos esotéricos. Na corte de Rodolfo II experimentava-se com todos os tipos de divinação e apelo ao sobrenatural (seu astrólogo era o próprio Nostradamus), e dava-se ênfase especial à alquimia, com a qual o rei pretendia eternizar-se. Rodolfo II queria, também, o domínio do tempo e do destino.
Da ciência que prometia onipotência a reis interessados como Rodolfo II à que diminuía o território e, portanto, a majestade de Luiz XIV, andou-se um bom caminho na dessacralização do poder, e tudo em menos de um século. Ainda há governantes que se acham autorizados por Deus e a Natureza a reivindicar um poder eterno – ou pelo menos um terceiro mandato – mas já são raros. E a neutralidade da ciência ajuda a sepultar qualquer presunção de favorecimento divino, e qualquer mentira mantida por conveniência política ou vaidade. A ciência da estatística – escrevi tudo isto pensando nos dados recém-publicados pela Fundação Getúlio Vargas sobre a melhoria na distribuição de renda no Brasil nos últimos anos – é um bom exemplo de ciência neutra. Não é a favor ou contra ninguém, mas é à prova de falsificações históricas.
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