Mascates, com todo o respeito
FOLHA DE SÃO PAULO - 13/09/09
SÃO PAULO - O leitor vai me chamar de ingênuo. E terá razão, toda a razão. Mas o fato é que ainda me choca ver chefes de governo praticando cenas explícitas de vendedor ambulante.
A mais recente delas é, digamos, um nu frontal. Disse Charles Edelstenne, o presidente da Dassault, fabricante dos aviões Rafale: "Foi Nicolas Sarkozy quem vendeu o Rafale, não nós".
Aliás, pelas declarações de sexta-feira do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a frase poderia ser refeita para aplicar-se ao brasileiro. Assim: foi Lula quem comprou o Rafale, não a FAB.
Não há novidade nisso tudo. Há muitos anos, chefes de Estado/governo têm desempenhado o papel de caixeiros-viajantes dos produtos de seus países. Incluo aí chefes de Estado porque as casas reais de muitos países também envolvem-se em operações de venda.
Durante a Guerra Fria, os governantes de um lado e do outro vendiam um produto mais, digamos, intangível, o comunismo e o capitalismo. Parecia uma atividade mais nobre. Afinal, tratava-se de uma construção que pavimentaria o caminho para o paraíso, de acordo com a propaganda tanto de uns como de outros. Aviões, Rafale ou de outra raça, podem ser maravilhosos, mas não levam ninguém ao paraíso, certo?
Hoje, apenas Hugo Chávez vende o que batizou de "socialismo do século 21". Mas mesmo ele apareceu na sexta-feira, em Madri, dizendo a Antonio Brufau, o presidente da Repsol: "Brufau, o que vamos fazer com tanto gás?", conta "El País". Brufau não é socialista nem do século 20, quanto mais do 21.
Chávez referia-se ao gás descoberto na península de Paraguaná, um dos maiores poços do mundo.
Vender Rafales, festejar gás com a burguesia, tudo isso parece reduzir o que antigamente chamávamos de "majestade do cargo". Ah, sou mesmo um irremediável ingênuo.
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