Novo gênero
O GLOBO - 16/08/09
– Olha, mandei o embrulho, é, viu? As linguiças...
– As linguiças? (Risos)
– As linguiças pra vocês...
– Hein?
– (Risos nervosos) Repartirem aí.
– E o pacote é... Vem como? Alô.
– Vai pelo Magrão...
– O Magrão que você diz é o...
– É o Magrão.
– Ah. Sei (risos histéricos)
Não invejo os técnicos da Polícia Federal e do ministério público obrigados a decifrar diálogos e achar sentido nas falas truncadas, hesitações e barbaridades inconscientes que constituem um diálogo normal. Porque a verdade é que nós todos falamos assim. Basta ouvir a gravação de uma conversa nossa ao telefone para nos darmos conta: somos todos culpados, dependendo de como nos interpretarem. E os poucos que falam corretamente, colocam os pronomes onde devem e fazem sentido são os maiores suspeitos, pois obviamente ensaiaram sua fala para enganar os grampeadores.
Descontado tudo isso, o novo gênero não deixa de ter seu encanto. Conheci uma pessoa que folheava rapidamente um livro antes de comprá-lo ou não. Dizia que não interessava o autor ou o tema do livro, só interessava se tinha bastante diálogo. Nossos jornais e revistas andam cheios de diálogos realistas que são fascinantes mesmo quando ininteligíveis.
Como o Al Capone, que escapou da punição por todos os seus crimes e foi enquadrado por sonegação de impostos, alguns dos nossos corruptos que escaparem da punição por suas falcatruas (o que no Brasil não é difícil), poderiam ser enquadrados, com base nas suas conversas gravadas, por crimes contra o idioma.
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