A celebração da ignorância é um insulto aos pobres que estudam
“Eu cheguei à Presidência da República mesmo sem ter um curso superior”, recitou Lula de novo a frase que começou como pedido de desculpas, virou justificativa, foi promovida a motivo de orgulho e acabou por transformar-se no refrão do hino à ignorância. ”Talvez até quando eu deixar a Presidência o Pró-Uni me dá uma colher-de-chá e eu possa até cursar uma universidade”, disse na discurseira de terça o único chefe de governo do mundo que não sabe escrever, detesta leituras e tem tanto conhecimentos gerais acumulados quanto um aluno do curso primário.
Desse perigo estão livres os professores e os bedéis. Lula evita livros e cadernos como o Superman evita a kriptonita. Político profissional há 30 anos, não estudou por que não quis. Tempo teve de sobra. Vai sobrar mais tempo ainda quando sair do Planalto. Mas também sobra preguiça. Além do mais, foi dispensado de aprender qualquer coisa pelos companheiros que sabem juntar sujeito e predicado ou multiplicar números com dois dígitos usando apenas o cérebro.
A lastimável formação escolar do chefe foi tratada como pecado venial até que o crítico literário Antonio Cândido ensinou que, dependendo do portador, ignorância é virtude. “Essa história de despreparo é uma bobagem”, decretou há dois anos, entre um ensaio e a leitura de um clássico, o professor da USP que não perdoava sequer cacófatos. ”Lula tem uma poderosa inteligência, e uma capacidade extraordinária de absorver qualquer fonte de ensinamento que existe em volta dele ─ viajando pelo país, conversando com o povo, convivendo com os intelectuais”.
Depois de 20 anos de convívio com o fenômeno, Antônio Cândido descobriu que existe pelo menos um doutor de nascença. ”Nunca vi Lula ser um papagaio de ninguém”, admirou-se. “Nunca vi Lula repetir o que ouviu. Ele tem uma grande capacidade de reelaborar o que aprende. E isso é muito importante num líder”. Passou a reelaborar o que aprende com tamanha desenvoltura que anda dando aulas a quem sabe
Em junho, numa entrevista à RBS, explicou por que a ministra Ellen Gracie fracassou na tentativa de conseguir o emprego no Exterior: não estudou tanto quanto deveria. “Mas ela é moça, ainda tem tempo”, consolou. Em julho, enquadrou os críticos do programa que produziu o sumiço dos miseráveis e dos famintos, além de promover milhões de pobres a brasileiros da classe média. ”Alguns dizem assim: o Bolsa Família é uma esmola, é assistencialismo, é demagogia e vai por aí afora”, decolou o exterminador de plurais.
” Tem gente tão imbecil, tão ignorante, que ainda fala ‘o Bolsa Família é pra deixá as pessoas preguiçosa porque quem recebe não quer mais trabalhá”. Quem discorda do presidente que ignora a existência da fronteira entre o Brasil e a Bolívia, reincidiu, ”é uma pessoa ignorante ou uma pessoa de má-fé ou uma pessoa que não conhece o povo brasileiro”. Povo é com ele, gabou-se outra vez nesta quarta-feira.
No meio da aula em São Bernardolição, recomendou o estudo de português. ”É muito importante para as crianças não falarem menaslaranjas, como eu”, lembrou. Mas não tão importante assim, ressalvou na frase seguinte: “Às vezes, o português correto as pessoas nem entendem. Entendem o menas que eu falo”.
Falso. Mesmo os que não se expressam corretamente entendem quem fala menos. Não falta inteligência ao povo. Falta escola. Falta educação. Falta gente letrada com disposição e coragem para corrigir adultos que foram pobres. Lula deixou de dizer menas quando alguém contou, faz anos, que a palavra não existe.
Poucas manifestações de elitismo são tão perversas quanto conceder aos filhos dos desvalidos o direito de nada saber até o fim da vida. Milhões de meninos mais pobres do que Lula foi enfrentaram carências inverossímeis para assimilar conhecimentos. Conseguiram. A celebração da ignorância é sobretudo um insulto aos pobres que estudam.
É também uma agressão aos homens que sabem. Num Brasil pelo avesso, os que se expressam corretamente logo pedirão licença aos cretinos e aos intelectuais lulistas para falar sem erros, e os que estudaram em Harvard terão de esconder o diploma no sótão. O elogio da cretinice foi longe demais. O país está exausto do paternalismo demagótico.
A boa formação intelectual não transforma um governante em estadista. Mas quem se orgulha da formação indigente e despreza o conhecimento não tem chance alguma de ser lembrado como bom presidente.
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